Actualidade e lugares
Domingo, 15 de Janeiro de 2012
Recortes da blogosfera e da imprensa

Custa assim tanto assumir que se é da Maçonaria?

 

Vou ser sincero: por mais que me esforce não consigo encontrar motivos razoáveis para, no Portugal democrático, no século XXI, se pertencer à Maçonaria e levar isso a sério. Mais: acho francamente ridículos alguns dos seus rituais. Mesmo assim entendo que a liberdade individual compreende a liberdade e ser maçon. E mais nada teria a dizer não houvesse qualquer coisa no ar que não é apenas espuma dos dias.

Há uma razão simples para isso: existe a convicção de que os maçons têm uma fatia desproporcionada de poder. O número e a visibilidade dos maçons na Assembleia, nos serviços de informação ou em alguns órgãos de informação levanta mesmo a suspeita: será que a obrigação de solidariedade entre “irmãos” lhes abre uma espécie de via rápida para lugares de destaque e mando? Sei que esta dúvida é tão incómoda para quem está fora como para muitos dos que estão dentro da Maçonaria, mas é uma dúvida que não pode ser ignorada.

Se olharmos para o ideário da Maçonaria este não deixa de ser nobre. Também são muitos os maçons que se notabilizaram – de George Washington a Franklin Roosevelt, de Edmund Burke a Voltaire, de Goethe a Pushkin, de D. Pedro I a Egas Moniz –, tudo gente que parece confirmar a ideia de uma agremiação de “homens bons”. Há até quem reivindique para a Maçonaria uma espécie de autoria moral de documentos como a Declaração Universal dos Direitos do Homem ou o nosso Serviço Nacional de Saúde.

Sendo assim, porquê o segredo? Ou mesmo a simples discrição? Se a Maçonaria é coisa antiga e venerável, se não é proibida nem foi extinta, se não vivemos sob nenhuma tirania, por que motivos não se assumem os maçons orgulhosamente como maçons? Por temerem caírem no ridículo quando colocam os aventais e as vendas nos olhos? Por acharem que, em Portugal, domina o preconceito e que revelarem-se como maçons os prejudicaria, como alguns defendem? Ou, pelo contrário, por recearem que o conhecimento das relações de solidariedade existentes entre “irmãos” possa revelar lógicas de poder menos democráticas?

 

Estas questões são absolutamente legítimas e não podemos, como de repente todos começaram a fazer, criar a ilusão de que tudo é puro e impoluto nas maçonarias portuguesas desde que se construa rapidamente um cordão sanitário em torno da loja Mozart. Quem leia a imprensa ficará com a sensação de que há uma agremiação de santos – o Grande Oriente Lusitano –, uma federação de parvenus – a Grande Loja Legal de Portugal – e um bando de facínoras – os que se reuniram na Mozart. É verdade que o GOL tem pergaminhos que as outras maçonarias portuguesas não têm, é certo que o número de figuras relativamente menores (mas com mal escondidas ambições) do PS e do PSD que andam pela GLRP levanta as maiores dúvidas e que o que se sabe sobre o conjunto de interesses reunidos na Mozart dá para desconfiar, mas apenas isso. Eu, por exemplo, depois de tudo o que li e ouvi nos últimos dias gostaria de saber se é mesmo verdade que houve, durante muito tempo, uma espécie de consenso não escrito sobre a entrega da Presidência da Assembleia da República a uma figura da Maçonaria. Ou se é verdade que a confiança manifestada por Fernando Nobre na sua eleição para presidente da AR teve mais a ver com a sua condição de maçon que esperava a solidariedade dos irmãos (num Parlamento onde os três principais grupos parlamentares são dirigidos por maçons) do que com as suas qualidades políticas.

Podia multiplicar os exemplos, mas não vale a pena: incomodam-me tanto estas dúvidas legítimas como as muitas vezes que ouço explicar certas opções estranhas com frases do tipo “isso foi coisa da Maçonaria” ou “então não sabes que eles são todos maçons?”. Nunca gostei de teorias da conspiração, também nunca acreditei em bruxas, pelo só posso defender uma total transparência no que toca às relações entre as maçonarias e o espaço público. Ou seja, em todas as zonas do espaço público que devem estar sujeitas a escrutínio democrático não pode existir uma espécie de troca desigual em que uns revelam naturalmente os seus interesses e outros omitem uma parte importante das suas solidariedades.

 

Por princípio sou contra a multiplicação de leis normativas e, por isso, não preciso de recorrer a um acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (como fez o GOL) para me distanciar da ideia de uma lei que torne obrigatória a declaração de pertença a uma maçonaria. Entendo, no entanto, que tal declaração pública é não só recomendável como deve ser um compromisso ético. E não só para os titulares de cargos públicos: era bom que os profissionais da Justiça, os membros dos serviços de informações e – já sei que me vão cair todos em cima – os jornalistas também tornassem públicas declarações de interesses de que constasse, quando fosse o caso, a sua filiação em organizações “discretas”. Quem não o fizesse correria o risco de um dia isso se descobrir e, então, ter de justificar a omissão. Quem o fizesse permitiria que se aferisse se a condição de membro conhecido de uma maçonaria ajuda ou prejudica a carreira. O que me parece francamente estranho é tentar tapar o sol com uma peneira, como fez Carlos Zorrinho ao afirmar que “a sua vida é absolutamente pautada pela transparência” ao mesmo tempo que não confirmava ou desmentia a sua condição de maçon.

Quem não deve, não teme. Se os maçons entendem que nada devem (e que a sociedade é que é credora da Maçonaria), não há nenhuma boa razão para que lhes custe tanto “sair do armário”. Voluntariamente. Com dignidade. Seguindo alguns bons exemplos dos últimos dias.

Público, 13 Janeiro 2012

José Manuel Fernandes, Blasfémias



publicado por Paulo Sousa às 23:00
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