Dois meses depois, não há reformas, dizem eles - os que nunca reformaram nada ou estiveram sempre na primeira linha do combate a todas as reformas no aparelho de estado. Dois meses depois, não há cortes na despesa, dizem eles - os que sempre contribuiram para avolumar a despesa.
Eis que surge o primeiro corte substancial na despesa, com a fusão de dois institutos públicos que permite poupar 14 milhões de euros, e os mesmos recomendam agora que se trave a fundo. "Estas fusões não se anunciam sem estar bem estudadas e sem haver um cronograma", brada um. "Não há razões para queimar etapas. As questões devem ser profundamente debatidas", proclama outro.
Os mesmos de antes, os mesmos de sempre. Por isso é que o País está como está.
Pedro Correia, Delito de Opinião
«Uma das coisas mais interessantes desta crise é a de verificarmos semelhanças entre os países do Sul da Europa, nomeadamente entre nós, Espanha, Itália e Grécia. A história do mundo ocidental que hoje conhecemos assenta em boa parte no que foi gerado nestes quatro países em termos de cultura, história, equilíbrio entre o homem e a natureza, e o grande prazer de viver com o Sol, os sabores gastronómicos riquíssimos, as praias, a paisagem. Se nos tivermos de virar para algum lado, parece claro que a nossa herança genética está aqui.
E este pode ser o nosso plano B. Talvez tenhamos de construir um destes dias a tal Europa do Sul com italianos, gregos e espanhóis a fazerem-nos companhia. Será mais pobre mas pode incluir uma moeda para os quatro, ter França como uma zona de passagem neutra, talvez incluir os países dos Balcãs como novos mercados. E nós, os do Mediterrâneo europeu, não metemos medo aos turcos, aos marroquinos, aos egípcios, etc.. Não somos a Europa xenófoba.
Estamos numa luta contra o tempo e no nosso sangue não corre a geometria decimal com que a troika nos obriga a vender tudo como se não houvesse no fundo da nossa memória esta questão: quase mil anos como nação independente. Sim, é essencial tornar o país menos dependente do financiamento externo e pôr as contas em ordem. Mas que países do Norte da Europa nos vão perdoar, mesmo depois de termos feito tudo, e não for suficiente? Não tenhamos ilusões: quem trata mal os gregos, vai-nos tratar mal a nós.»
Daniel Deusdado, no Jornal de Notícias
Um grupo de manifestantes que protestasse nas ruas de Madrid ou de qualquer outra capital europeia contra a visita de um dirigente espiritual islâmico seria logo rotulado de "antimuçulmano". Os participantes nessa manifestação ganhariam de imediato o epíteto de "islamófobos" e não faltaria quem sublinhasse a necessidade de combater ódios religiosos em nome da liberdade de crença e do respeito pela fé alheia.
Tudo muda quando esse dirigente espiritual é o Papa. Os manifestantes passam a ser "laicos", nenhum deles é descrito como anticatólico e muito menos como vaticanófobo. Os gritos de "Papa nazi", "assassinos", "ignorantes", "pedófilos" e "filhos da puta" com que nestes dias alguns destes "laicos" têm brindado centenas de milhares de jovens católicos inserem-se na naturalíssima liberdade de manifestação que justifica aplauso dos mesmos que se indignariam com uma ruidosa reunião de "islamófobos".
Isto deve fazer-nos reflectir sobre a importância das palavras no espaço comunicacional. Nenhuma delas é neutra, nenhuma delas é irrelevante: todas nos chegam carregadas de ideologia. Compete ao bom jornalismo evitar as armadilhas da linguagem que estabelecem dois pesos e duas medidas para situações similares. Porque o preconceito ataca quando menos se espera. Sobretudo o preconceito daqueles que se proclamam livres de preconceitos.
Pedro Correia, Delito de Opinião
Há quase quatro anos que o liberalismo foi julgado, culpado e anunciado em extinção, apesar da crise ter sido causada em boa parte pelo socialismo europeu e seus congéneres americanos que, com a ajuda dos bancos, despejaram dinheiro sobre o povo como se não houvesse amanhã. Hoje, os mesmos arautos anunciam, alto e bom som o fim do capitalismo, um thinking da canga revolucionária pseudointelectual dominante.
Eles não aprendem. O fim do capitalismo é um pouco como o fim do mundo: estão condenados a acabar ao mesmo tempo. Porque o capitalismo é intrinsecamente humano, inseparável da liberdade, condição essencial da sobrevivência da espécie. Acontece que o homem, e por inerência o capitalismo são senhores duma extraordinária resiliência: adaptam-se para sobreviver. O mundo não acaba amanhã: por muito que nos custe, temos é muito que padecer e batalhar. É a nossa condição.
João Távora, Corta-fitas
Vão surgindo pelo mundo ocidental, organizações que pretendem ser tratadas como partidos políticos, que defendem a pirataria informática, seja de música, filmes, software, etc.
Organizações como estas merecem a simpatia de muitos internautas, especialmente jovens. A facilidade do delito estimula-o, banaliza-o e quase o legitima.
O respeito pela propriedade foi instituído na era moderna, e partir de então reconheceu-se ao indivíduo a possibilidade de decidir sobre o que é seu, sem necessitar de qualquer autorização senhorial ou outra que seja. Esse é um dos pilares da era em que nasci e cresci, e continuo a identificar-me com ele e a reconhecer-lhe todo o sentido, e é exactamente esse pilar que é questionado quando se encolhe os ombros perante os downloads ilegais.
O mesmo está a acontecer em Inglaterra, onde hordas de… vá lá, ladrões, aproveitam a 'insatisfação' (estarão como o Mick Jagger quando se queixa de não a obter), para roubar deixando um rasto de destruição. Os estragos em habitações e espaços comerciais ascende a muitos milhões de libras.
Há uns anos Sarkozy chamou 'escumalha' a grupos idênticos, deixando indignada a esquerda alegre que, desde que os carros destruídos não fossem os seus, achava que os coitados estavam apenas a manifestar a tal 'insatisfação'.
Mas o actual presidente francês foi feliz na expressão, é mesmo disso que se trata. Escumalha.
De entre os seres vivos, o humano é o único que sabe que há futuro. Se nos preocupamos é porque sabemos que o futuro existe, e que pode ser melhor ou pior, dependendo em certa medida de nós próprios.
A relação individual com o futuro repete-se, a uma escala alargada, com as sociedades.
Na sociedade do consumo imediato em que vivemos, a incerteza do amanhã é esmagada pelo imediatismo de curta perspectiva, que se verifica nas decisões individuais e colectivas.
O colonialismo territorial de outros tempos foi assim substítuido por um colonialismo do presente que absorve e parasita o tempo futuro. O benefício que, no passado, se pretendeu usufruiu sobre os ‘de fora’, é exercido hoje sobre os ‘de depois’.
Os ataques do presente, seja sob a forma de endividamento ou de poluição, desrespeitam os ‘agoras’ dos outros e fazem do futuro uma lixeira do presente.
Jefferson, no séc XIX, questionou-se se não se deveriam aprovar todas as leis ao ritmo das gerações e considerava que cada geração era como uma nação diferente e tinha, por isso, o direito de tomar decisões, sem no entanto poder obrigar as seguintes.
Cada vez que os responsáveis políticos endividam as suas comunidades ou os seus países a prazo alargado, para concretizar obras não produtivas comportam-se como uns okupas do futuro. Entre a liberdade de acção das gerações futuras e o fascinio imediatista da inauguração com uma placa com o seu nome gravado, os políticos preferem, sem pudor, a segunda.
E os eleitores apaludem, porque o futuro é dos outros e o presente é deles próprios.
A crescente dimensão do grupo de eleitores de terceira idade dentro do universo eleitoral alimenta também este processo. Antecipar uma reforma é sobrecarregar um sistema que não sabemos se será sustentável no futuro, mas, perante os abusos descabidos todos encolhemos os ombros. Quem não faria o mesmo? Exigir aumentos das reformas é normal, pois tem de se acompanhar o aumento do custo de vida. Quanto ao futuro ... logo se vê.
Se nada for feito para interromper esta lógica, desprovida de ética, o futuro terá cada vez menos peso político.
A ideia da responsabilidade está essencialmente virada para o passado. Temos de prestar contas pelo que fizemos ou deixamos de fazer, mas quanto às responsabilidades futuras, essas ... são sempre envolvidas na incerteza do amanhã desconhecido.
Mas um dia o futuro será presente, e os dos futuro, aprisionados pela vaidade dos do passado, saberão identificar os seus tiranos e dar-lhe o devido lugar na memória que será a deles e que é a memória futura.
Para uma visão mais profunda e alargada sobre este tema, recomendo a leitura do livro ‘O Futuro e os seus inimigos’ de Daniel Innerarity
Publicado no Portomosense, 03 de Agosto de 2011
Muito já foi dito e escrito sobre o massacre de um psicopata na Noruega, mas registo dois momentos da terrível novela que se encontra em fim de ciclo.
O primeiro prende-se com a primeira explicação avançada pela imprensa. A imaginação de alguns jornalistas noticiou que o atentado se devia ao envolvimento norueguês na Guerra do Afeganistão. A lógica é simples e linear, quem se mete com o islão leva. Nas entrelinhas deste raciocínio, apenas para quem o quiser ler, pode encontrar-se uma legitimação para o sempre ilegítimo terrorismo. É uma imagem dos media que supostamente nos servem. No seu melhor.
O segundo registo, mas com destaque, foi a elevação com que as autoridades norueguesas lidaram com a tragédia. Uma semana após o atentado Jens Stoltenberg, o primeiro-ministro quis assinalar a data escolhendo para o ponto alto da cerimónia a maior mesquita de Oslo. Ali discursou sobre democracia, multiculturalidade e tolerância. Dessa forma mostrou-nos aquilo que já sabemos, e que é: esses três conceitos são a resposta civilizada para o que já todos assumimos com um facto e que é o chamado choque de civilizações.
A escolha entre a barbárie e a civilização cabe-nos a nós.
Leitura diária
Debaixo de olho
O Futuro e os seus inimigos
de Daniel Innerarity
Um livro que aposta numa política do optimismo e da esperança numa ocasião em que diminui a confiança no futuro. Boa parte dos nossos mal-estares e da nossa pouca racionalidade colectiva provém de que as sociedades democráticas não mantêm boas relações com o futuro. Em primeiro lugar, porque todo o sistema político, e a cultura em geral, estão virados apenas para o presente imediato e porque o nosso relacionamento com o futuro colectivo não é de esperança e projecto mas de precaução e improvisação. Este livro procura contribuir para uma nova teoria do tempo social na perspectiva das relações que a sociedade mantém com o seu futuro: de como este é antevisto, decidido e configurado. Para que a acção não seja reacção insignificante e o projecto se não converta em idealismo utópico, é necessária uma política que faça do futuro a sua tarefa fundamental
Teorema
Cachimbos: Marcas, Fabricantes e Artesãos
de José Manuel Lopes
O mais completo livro sobre cachimbos, da autoria do jornalista José Manuel Lopes, presidente do Cachimbo Clube de Portugal. Profusamente ilustrada, esta obra a que poderíamos chamar enciclopédica, dá-nos ainda em anexo uma completíssima lista de clubes e associações do mundo inteiro e dos seus sites.
Quimera