Quando se chega a uma certa idade, pensamos que já nada nos vai surpreender. Esse era certamente o meu estado de espírito quando há precisamente duas semanas aterrei em Porto Alegre, no estado brasileiro do Rio Grande do Sul. Não era a primeira vez que visitava o Brasil, embora fosse a primeira visita a Porto Alegre, e não havia motivo para esperar grandes surpresas. Mas enganei-me redondamente e, ainda agora, no rescaldo da viagem, tenho dificuldade em ordenar o turbilhão de impressões que esta viagem me deixou.
Não foi o samba, nem o Carnaval, nem as praias de que habitualmente se fala – e que, aliás, não vi. Foi uma sociedade civil vibrante, em perpétuo movimento, com uma energia empreendedora que só tem paralelo nos EUA (e talvez na China e na Índia, mas devo admitir que não senti aí a mesma energia).
Assisti a um congresso de dois dias com 5200 pessoas. Era a 25.ª edição do Fórum da Liberdade, promovido pelo Instituto de Estudos Empresariais, e que teve lugar na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Parecia que estávamos em Nova Iorque ou Washington. Uma organização ultraprofissional, amaciada pela incrível simpatia brasileira. Milhares de pessoas aprumadas, devidamente vestidas, pontuais, alegres e bem-educadas. Uma universidade com 30 mil alunos, num único campus, uma verdadeira cidade, que não recebe um real do Estado. E, sobretudo, o que diziam, era inacreditável o que diziam. Celebravam a democracia e a liberdade, os direitos da pessoa humana e, por essas razões, o livre empreendimento, a limitação do Estado, o combate à corrupção e ao compadrio promovido por dinheiros públicos. Enalteciam a livre concorrência, não pediam subsídios ao Estado, combatiam os subsídios do Estado e o favorecimento pelo Estado de umas empresas em detrimento de outras. Exigiam impostos baixos e concorrência no fornecimento dos serviços públicos, sobretudo na educação e na saúde.
Era bom de mais para ser verdade. Mas era verdade. Simultaneamente, estas pessoas não mostravam qualquer sinal de arrogância. Exprimiam o maior apreço por Portugal, embora os seus antepassados não fossem apenas portugueses, mas também polacos, italianos, alemães e japoneses, além de índios e africanos, entre muitos outros. Um verdadeiro melting pot, com uma matriz portuguesa que todos enfatizavam. Ouvi vibrantes elogios aos descobridores portugueses, ao seu espirito de tolerância, maior do que o dos anglo-saxónicos, disseram-me, e sempre, repetidamente, à língua de Portugal. Estas pessoas, ou algumas delas com quem falei demoradamente, querem reforçar a competitividade do Brasil no mundo e regulam os seus padrões pelos da América do Norte. Mas querem reforçar os laços com Portugal. Surpreendem-se por ser mais fácil obter dupla cidadania com Itália do que com Portugal. Gostariam que houvesse um mercado único entre Brasil e Portugal, semelhante ao que existe na União Europeia. Preconizam o mútuo reconhecimento imediato de diplomas escolares e de empresas. Gostariam de ter mais facilidade em investir aqui e de trabalhar aqui. “Há 190 milhões de falantes de português no Brasil”, explicaram-me, “que têm apreço por Portugal. Muitos gostariam de educar os filhos em Portugal, de investir em Portugal, de passar parte das suas reformas em Portugal. Não será este um mercado excitante para os portugueses?”
Parece-me que sim, eu pelo menos saí do Brasil contagiado pela energia criativa e empresarial do Rio Grande do Sul. Mas, quando aterrei em Lisboa, tive o primeiro choque lusitano, depois da agradável surpresa brasileira. Na primeira banca de jornais, uma revista de grande circulação titulava na capa: “Precisamos de um novo 25 de Abril?” Não pude acreditar. Temos uma democracia e perguntam se precisamos de um golpe de Estado? Terei chegado por engano à Guiné? Não foi engano. Passa-se os olhos pelos jornais e vê-se uma cacofonia de reclamações igualitárias, reclamações de mais Estado, mais subsídios, mais garantias. O pobre Governo debaixo de fogo pelas tímidas medidas reformadoras que tem tomado – em vez de lhe reclamarem uma drástica descida dos impostos e um vigoroso convite ao investimento externo. Os nossos jovens fogem para o estrangeiro em busca de oportunidades, e os que ficam querem enterrar ainda mais o país, atacando os mercados, um inexistente neoliberalismo, os alemães e outros europeus empreendedores que viraram bodes expiatórios da nossa paralisia.
Pobre país, receio ter de dizer. Mas amanhã regresso à Polónia, cujo Presidente, aliás, nos acaba de visitar com grande sucesso. Lá reencontrarei a confiança na livre iniciativa que me surpreendeu no Brasil – e cuja ausência é simplesmente chocante em Portugal.
João Carlos Espada, Público, 23 de Abril de 2012
Alguns Capitães de Abril, Mario Soares e outros socialistas anunciaram que não estariam presentes nas celebrações do Dia da Liberdade. Justificaram essa ausência por discordarem da governação que resultou da intervenção financeira internacional solicitada por Portugal.
Não participando nas cerimónias do 25 de Abril estes senhores recusam-se a aparecer ao lado do governo que não apoiam, mas neste dia especial e em especial, em que se celebra o regime democrático, mostram também que confundem o governo com o regime.
Para além da imagem que deixam para os historiadores do futuro, é a democrática quem mais perde.
O que é para si a liberdade?
É apenas votar e poder dizer o que pensa quando está com os amigos sentado num restaurante? Ou é um bocadinho mais do que isso?
É também poder escolher se pode fumar descansadamente dentro do seu carro ou da sua casa sem ser incomodado pela polícia? É ter hipótese de comprar uma garrafa de vinho numa bomba de gasolina quando vai jantar a casa de um amigo sem que o Estado se intrometa na sua vida, proibindo-o? É decidir se lhe apetece comer pão sem sal, hambúrgueres cheios de calorias ou batatas fritas com gordura sem ter de pagar um imposto extraordinário sobre o fast-food? É comprar cigarros numa máquina automática porque isso é mais prático para a sua vida - e o Estado não existe para lhe dificultar a vida? É poder escolher como educar o seu filho, em que escola e com métodos sem precisar de ser milionário? É não ser obrigado a pagar um imposto municipal que é uma renda sobre uma casa que já é sua? É ter controlo sobre o seu dinheiro? É não pagar 50% daquilo que ganha em impostos para sustentar um Estado irresponsável, incompetente e despesista? É optar pelo sítio onde quer colocar o dinheiro que desconta para as suas reformas no futuro? É ter uma comunicação social que não é vigiada, julgada e punida por cinco funcionários de uma entidade reguladora escolhidos pelos partidos políticos? É ter em Serviço Nacional de Saúde que seja cuidadoso com a forma como gasta o dinheiro dos seus impostos? É conseguir ver fechar uma maternidade excessivamente cara num sistema de saúde excessivamente despesista, mesmo que isso ponha em causa os interesses e o conservadorismo do lóbi dos médicos? É viver num País que não decide compensar os gastos desnecessários com o Estado com um novo imposto sobre os produto alimentares? É não ter um dos preços de combustíveis mais caros da Europa? É ter uma economia em que a concorrência existe e é realmente vigiada de forma eficaz? É poder subir o número de alunos por turma na escola pública para valores que, mesmo assim são bastante inferiores aos do ensino privado sem ter de passar por meses e meses de greves? É poder confiar num Ministério Público que seja capaz de condenar em tribunal pelo menos um caso de corrupção de 10 em 10 anos? É viver com uma justiça que funcione, uma economia que trabalhe e uma sociedade que reaja?
Se para si, a liberdade também é isto, então facilmente percebe que ainda estamos muito longe de a conseguir - 38 anos depois do 25 de Abril.
Gonçalo Bordalo Pinheiro, Sábado
Perdas de Soberania
Portugal tem a soberania em risco por três motivos. Em primeiro lugar, temos a cimeira europeia de 10 de Maio de 2010, que colocou os países aflitos do euro em regime de protectorado. Como escreveu então Vasco Pulido Valente: “ninguém reparou que o país sofreu a maior humilhação nacional deste último século”. Rui Ramos esclareceu-nos que Portugal passou à condição de protectorado naquela data (a colocar a par do “5 de Outubro, 28 de Maio e 25 de Abril”) e que “perante o mau governo dos últimos 15 anos, talvez seja de dizer: ainda bem”. Campos e Cunha não tinha dúvidas: “uma vez que não nos sabemos governar, é melhor aceitar a tutela.”
Esta perda de soberania decorreu dos erros de política económica cometidos a partir de 1995, que fizeram explodir a nossa dívida externa de um nível insignificante nesse ano (menos de 10% do PIB) para um nível elevadíssimo, superior a 100% do PIB, atingido em 2009. Como se isso não bastasse houve um descontrolo das contas públicas, para além da maquilhagem das despesas com as PPP.
A segunda forma como estamos a ceder soberania decorre da perda dos centros de decisão, com a venda das principais empresas portuguesas a capital estrangeiro, um movimento que está actualmente ao rubro. Este problema é também consequência directa do aumento exponencial da dívida externa, já referido. Como não gerámos a poupança suficiente para financiar os investimentos que fizemos, deixámos de mandar nestes investimentos.
A consequência desta perda pode-se perceber melhor com o exemplo da Autoeuropa. Neste momento, esta empresa está a exportar cada vez mais para a China, o que é uma excelente notícia. Mas é também um risco. Quando o mercado chinês passar a absorver, digamos, 60% das vendas da Autoeuropa, há o forte risco de a empresa ser deslocalizada para a China. Como o centro de decisão desta empresa está na Alemanha, eles podem sair completamente de Portugal e passar a ignorar o nosso país. Se o centro de decisão estivesse em Portugal, eles até podiam deslocalizar para a China, mas algumas actividades permaneceriam em Portugal e – sobretudo – os lucros seriam enviados para cá.
A terceira forma de perda de soberania, mais lenta e menos óbvia do que as anteriores, decorre da demografia, sobretudo devido à evolução da natalidade. Todos os países europeus enfrentaram graves problemas de diminuição da natalidade, para níveis inferiores ao necessário para garantir a sustentabilidade da população. No entanto, na generalidade dos países foram tomadas medidas que permitiram uma clara recuperação do número de nascimentos.
Portugal é uma triste excepção neste panorama europeu. Por um lado, porque atingiu o índice de natalidade mais baixo de todos. Por outro lado, porque praticamente ainda não iniciou qualquer tipo de movimento de recuperação da natalidade. Este problema está, aliás, quase ausente da agenda política e do debate cívico, muito pobre no nosso país. Para além disso, os governos têm-no ignorado olimpicamente, como se ele não fosse decisivo para a sustentabilidade a longo prazo do nosso país.
Parece que se julgou que a imigração pudesse ser um substituto de medidas enérgicas de fomento da natalidade. Mas Portugal não é a Suíça ou o Luxemburgo, para além de que o nosso problema demográfico está a ser agravado pela emigração de portugueses qualificados. Deixo uma provocação, uma das formas de levar as pessoas a pensar: imaginem Portugal cada vez mais dependente de capitais chineses e os chineses a chegarem aos milhões. Não seria cada vez menos português?
Portugal não está só sob a ameaça da pobreza, está também em risco de deixar de mandar em si próprio. É preciso tomar consciência disto para percebermos a dimensão das tarefas que nos aguardam. Se não fizermos as reformas estruturais que temos adiado há décadas, o nosso caminho é o definhamento, uma das hipóteses já levantadas há quase uma década por Ernâni Lopes.
Pedro Braz Teixeira, Cachimbo de Magritte e jornal i
Leitura diária
Debaixo de olho
O Futuro e os seus inimigos
de Daniel Innerarity
Um livro que aposta numa política do optimismo e da esperança numa ocasião em que diminui a confiança no futuro. Boa parte dos nossos mal-estares e da nossa pouca racionalidade colectiva provém de que as sociedades democráticas não mantêm boas relações com o futuro. Em primeiro lugar, porque todo o sistema político, e a cultura em geral, estão virados apenas para o presente imediato e porque o nosso relacionamento com o futuro colectivo não é de esperança e projecto mas de precaução e improvisação. Este livro procura contribuir para uma nova teoria do tempo social na perspectiva das relações que a sociedade mantém com o seu futuro: de como este é antevisto, decidido e configurado. Para que a acção não seja reacção insignificante e o projecto se não converta em idealismo utópico, é necessária uma política que faça do futuro a sua tarefa fundamental
Teorema
Cachimbos: Marcas, Fabricantes e Artesãos
de José Manuel Lopes
O mais completo livro sobre cachimbos, da autoria do jornalista José Manuel Lopes, presidente do Cachimbo Clube de Portugal. Profusamente ilustrada, esta obra a que poderíamos chamar enciclopédica, dá-nos ainda em anexo uma completíssima lista de clubes e associações do mundo inteiro e dos seus sites.
Quimera