Actualidade e lugares
Quarta-feira, 15 de Dezembro de 2010
Sobre dívida, Pequim, soberania e direitos fundamentais dos portugueses e restantes europeus

O Ministro das Finanças esteve em Pequim a negociar o apoio que a China pode vir a dar na colocação da dívida soberana da República Portuguesa, o que se pode simplificar dizendo apenas que Teixeira dos Santos foi a Pequim pedir dinheiro emprestado para pagar prestações em atraso. O discurso oficial é que após a visita ocorreu "um grande salto em frente nas relações luso-chinesas em todos os níveis". Quem conhecer minimamente a história chinesa do sec. XX, concordará que por si só não estamos perante uma expressão feliz.

Se o que está em causa fosse apenas uma questão operacional de emissão de dívida, Teixeira dos Santos não necessitaria de se deslocar a Pequim, pois isso resolve-se nas salas de mercados. Importa por isso saber que outros compromissos foram assumidos pelo Estado Português. Imagino que a posição portuguesa no Conselho de Segurança da ONU tenha sido um assunto abordado e também, quem sabe, o caso do Tibete.

Quando se fala em perda de soberania por via da dívida, fala-se na perda de capacidade de opinar e de decidir enquanto estado democrático e respeitador dos direitos individuais no palco internacional e de assim deixar de poder fazer contra-ponto contra, quiçá, ditaduras e regimes autoritários. Emite-se dívida soberana e com ela segue também a soberania, milhão atrás de milhão.

Apesar de existirem países europeus que sabem gerir a sua economia e que tem a casa arrumada, o que se passa no nosso país acaba por ser acompanhado pelo todo europeu relativamente aos restantes blocos económicos.

Há dias Vasco Campilho relacionou a falta de solidariedade das instituições europeias para com os países em dificuldades com a possibilidade de estes serem acudidos por terceiros e dessa forma se afastarem da órbita europeia.

Não duvido que todo o processo a que estamos a assistir de perda da influência do bloco europeu (que se deve à falta de crescimento económico, à insignificância militar e ao envelhecimento da população) levará a que a prazo tenhamos que ser menos exigentes em termos dos direitos fundamentais que nos são caros. Noutra perspectiva equivale a dizer que o crescimento económico das novas potências globais e regionais, levará a que estas ganhem terreno à Europa, não só mas também pela compra da sua/nossa dívida e, mesmo sem termos consciência disso, teremos a prazo de aceitar regras mais próximas das que regulam essas economias e essas sociedades.

Terá a Europa capacidade política para contrariar esta tendência? Com os actuais líderes, não.



publicado por Paulo Sousa às 08:00
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6 comentários:
De Marco a 16 de Dezembro de 2010 às 23:45

Os países das economias emergentes estão em força ...

Os países da velha Europa de calças na mão devido à crise económica causada por um conjunto de gananciosos , um misto entre a banca e a especulação, uma elite de economistas falhados cujo objectivo é o lucro fácil, a exploração do sistema económico obsoleto, têm de aceitar ajudas vindas de todo o lado, de economias claramente mais pujantes.

Portugal? à imagem do seu líder , aceitou de bom grado a ajuda desse país democrático que é a China, já tinha sido a Venezuela, de seguida será a Líbia e por ai fora ...

Em suma, receber ajuda de países cuja preocupação com os direitos não é uma prioridade não é de estranhar olhando para a realidade que temos, o que interessa mesmo é manter o poleiro e se possível encher os bolsos até novas eleições.

Basta olhar para este imagem ridícula, todos sabemos que a actual ministra do trabalho foi uma figura destacada do sindicalismo europeu, agora com sede de poder, é vê-la no mais recente ataque à classe trabalhadora, com esta nova medida que não é mais que liberalizar os despedimentos.

Mas claro, é uma medida que visa aumentar a competitividade da economia portuguesa, claro, despedimentos fáceis, contratação de novos empregados a ganhar menos e trabalhar mais, ou seja, exploração da mão de obra, e estamos de volta ao inicio.... CHINA


De Paulo Sousa a 17 de Dezembro de 2010 às 00:47
Marco,

Concordo apenas no 'não gostar' deste governo.
Os acordos da Organização Mundial de Comércio dos anos 90 que abriram as portas dos produtos originários dos marcados emergentes, um dos factores mais marcantes do que podemos chamar processo de globalização, constituíram uma boa nova para milhares de milhões de pessoas que assim saíram da pobreza mais abjecta. Basta ver as recentes classes médias do Brasil, da Índia, da China, e lembrar-mo-nos que há uma década atrás estes países não tinham classe média para ver a dimensão da coisa.
Não deixa de ser curioso constatar que esta extraordinária evolução aconteceu em consequência de políticas liberais.
Alguma esquerda lembrará com nostalgia as petições pelo perdão da dívida dos países do terceiro mundo e as vigílias contra a fome no mundo e claramente que preferia a relação sobranceira entre o doador e o pedinte.
O revés deste processo é que os três blocos económicos de referência da segunda metade do sec. XX, a Europa, os EUA e o Japão (o G8 foi alargado a G20), perderão e já estão a perder importância e terão de se ajustar a esta nova realidade, o que na pratica se traduz naquilo que já estamos a ver, diminuição da produção, perda de emprego e de protagonismo.
Neste quadro global, Portugal é apenas um peão incapaz de influenciar o que quer que seja e sem capacidade de reagir no sentido necessário, que é fazer o que a Europa mais desenvolvida fez há muito, e que é apostar nos sectores inovadores e de elevado valor acrescentado, sectores onde os mercados emergentes são apenas compradores e onde não podem concorrer com as suas economias baseadas em mão de obra barata. Existem ilhas de excelência, mas insuficientes para inverter a tendência de empobrecimento que estranhamente, ou não, coincide os anos de ouro do socialismo português.


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