Actualidade e lugares

Quarta-feira, 26 de Outubro de 2022
Frei Bartolomeu de Las Casas e não só

Graças a uma aula on-line de Miguel Morgado, tomei há pouco tempo conhecimento de uma figura histórica da qual tinha ouvido vagamente o seu nome, mas que, pelo seu percurso e pela sua influência no pensamento europeu e ocidental, rapidamente me surpreendeu. Refiro-me a Frei Bartolomeu de Las Casas, um frade dominicano espanhol que viveu entre os anos 1484 e 1566.

Frei Bartolomeu.png

Segundo consta Bartolomeu, com nove anos, terá assistido à chegada de Colombo na sua primeira viagem às Índias Ocidentais. O seu pai, Pedro de Las Casas, acompanhou Colombo na sua segunda viagem. Em 1502 é o jovem Bartolomeu que atravessa o Atlântico para se fixar na ilha Hispaniola, actual território da República Dominicana e do Haiti.

O contacto com o Novo Mundo foi um acontecimento maior na história da humanidade e Bartolomeu tem consciência disso. Mais tarde descreve essa época histórica como “um tempo novo como nenhum outro”.

Juridicamente, a exploração do Novo Mundo tinha como base a Bula Inter Cætera, que foi promulgada um ano após o regresso de Colombo, e que estabelece que os novos territórios pertencem aos reinos de Espanha e Portugal (antecipando o que virá a ficar mais tarde conhecido por Tratado de Tordesilhas) referindo, no entanto, que essa posse depende e resulta da evangelização dos povos e da propagação da fé cristã.

Desde a sua chegada ao Novo Mundo, que Las Casas se incomoda com a crueldade com que os índios, ameríndios ou indígenas, consoante as diferentes designações, são tratados. O debate que se estabelece entre os colonos e alguns clérigos, remete para as doutrinas aristotélicas, que distinguem a escravatura convencional da escravatura natural. Segundo este filósofo da antiguidade, a escravatura convencional resulta dos direitos de conquista ou da aquisição, enquanto que a segunda sustenta-se numa superioridade natural do esclavagista em relação ao escravizado. Estes dois conceitos desencadearam vários debates ao longo da história da Igreja. Sobre esse tema, Santo Agostinho elabora dizendo que a escravatura era uma criação humana, e que continha traços do pecado original, afirmando por isso que não era natural. Daí resulta, ainda durante a Idade Média, a proibição de um cristão poder escravizar outro cristão.

Em 1507 Bartolomeu de Las Casas é ordenado padre da ordem dominicana e os seus sermões passam a ser manifestações da sua preocupação com os direitos dos índios. Após um outro clérigo dominicano, António de Montesinos, afirmar que os “espanhóis esclavagistas estão a perder a alma”, Las Casas sobe a parada e diz que está em causa também a salvação da alma do imperador, dirigindo-se assim ao Infante Carlos, futuro imperador Carlos V.

Todas estas “inovações” são suficientes para que os clérigos que defendem os indígenas consigam a atenção do imperador passem mas também que passem a ser perseguidos pelos colonos.

Entretanto, em 1537 o Papa Paulo III promulga outra bula, a Sublimus Deus, segundo a qual é estabelecido que os índios são providos de alma racional. Esse é um passo importante pois confirma que os europeus se devem relacionar com eles como se de europeus se tratassem.

Em 1540 Las Casas é nomeado bispo de Chiapas, o que significa que apesar dos incómodos causados, vai ganhando importância na hierarquia eclesiástica e em 1542 o Imperador promulga as Leyes Nuevas que proíbem a escravatura e os maus-tratos aos índios americanos.

A distância e o tempo necessário para que uma nova lei, especialmente impopular entre os colonos, percorresse a distância entre Madrid e os confins do império é enorme. Pouco tempo depois, à escala da época, o Vice-rei do Peru, Vasco Nuñez Vela, que representa o Imperador a as Leyes Nuevas, é aprisionado, julgado e executado pelos colonos em 1546.

É com todos estes episódios como pano de fundo que Carlos V, em 1550, convoca o Conselho das Índias para o que irá ser conhecido como o Debate de Valladolid, que decorreu no Colégio de São Gregório. Até que o Conselho se pronuncie, o Imperador ordena suspender toda a exploração e conquista no Novo Mundo.

Neste confronto, as duas visões opostas são representadas por Frei Bartolomeu de Las Casas, defendendo os direitos dos índios, e por Juan Ginés Sepúlveda, um jurista aristotélico, que representa os interesses dos colonos.

Sepúlveda é o primeiro a pronunciar-se e afirma que a escravatura dos ameríndios se justifica por direito natural, uma vez que estes são desprovidos de alma. Refere que os sacrifícios humanos e outras práticas de canibalismo são a prova disso mesmo, acrescentando que estes não mostram qualquer interesse pela conversão, chegando a ser violentos para com os evangelizadores. E assim, em menos de uma hora, Sepúlveda expôs os seus argumentos perante o ilustre Conselho das Índias.

sacrificios astecas.jpg

Chegando a vez de Bartolomeu de Las Casas se pronunciar, este começa a ler um tratado que tinha preparado para o efeito, e que não era mais do que o somatório dos pensamentos desenvolvidos durante toda a vida a defender os que, sendo diferentes, eram simplesmente semelhantes[1]. A leitura deste tratado demora vários dias. Por conhecer, há muito, os argumentos de Sepúlveda, Las Casas disserta sobre cada um deles, argumentando que se os indígenas são desprovidos de alma, então não poderão ser convertidos e isso esgota a validade da Bula Inter Cætera e esvazia a base intemporal da descoberta e exploração do Novo Mundo. Afirma ainda que a conversão deve ser um acto de amor, pelo pregador que ama o pagão enquanto criatura de Deus, e que este também acabará por se sentir amado por Deus. Só depois de convertido, o indígena dará cumprimento à bula papal, aumentando os direitos intemporais do Papa assim como os direitos temporais do Imperador.

Acrescenta dizendo que ao defender os direitos naturais de liberdade dos índios, defende também as almas dos colonos e até do imperador. E pelo contrário, os argumentos de Sepúlveda representam naquele debate o trabalho do demónio.

Passados os dias necessários para que todo o tratado fosse lido, os ilustres membros do Conselho das Índias recolhem para avaliação e meditação e, após quase um ano, acabam por reconhecer a validade dos argumentos de Las Casas, sem que, no entanto, tivessem forma de fazer que os colonos dessem seguimento às conclusões dali saídas.

Bartolomeu da Las Casas, os dominicanos em geral, assim como outras ordens religiosas, insistem em recusar os sacramentos a quem escravizar os índios, defendendo igualmente os direitos e o respeito pelos escravos africanos.

A distância a Madrid e a incapacidade do imperador que daí resultava, levou a que todos os tratados e argumentos elaborados por Bartolomeu da Las Casas não tivessem efeitos imediatos sobre as práticas que este condenava, mas lançou um sólido debate e também a má consciência do mundo cristão relativamente à escravatura.

É frequente associarmos o Padre António Vieira a este mesmo movimento, mas os seus famosos sermões foram proferidos mais de um século e meio depois de tudo isto, o que sublinha bem a importância de Frei Bartolomeu de Las Casas.

O interesse que este clérigo dominicano espanhol me gerou, resulta da confirmação do que já sabia, e que era que a escravatura, enquanto prática inaceitável e repugnante, além de existir desde a antiguidade, foi substancialmente questionada pelos pensadores dos impérios europeus cristãos e que a sua posterior abolição resultou exactamente do debate criado pelos teólogos da sociedade esclavagista.

Independentemente do que cada europeu, possa achar ou sentir sobre religião cristã e católica, só por ignorância ou má vontade, ou ambas, poderá negar que aquilo em que nos tornamos resulta do que fomos ao longo de uma história milenar.

O que podemos definir como Ocidente, é exactamente resultado, deste percurso, encharcado em pecados e em dúvidas, que por tentativa e erro, com más decisões tomadas por gente boa, assim como, por gente horrível, que por vezes fez coisas boas.

Existiu uma ciência na antiguidade longínqua, mas só os mais alienados podem fazer por ignorar que o método científico, conforme o conhecemos, só poderia ter surgido na procura, maravilhada, das regras divinas escondidas nos fenómenos físicos e químicos. Se existe uma matemática escondida na posição dos planetas e das estrelas, como é que o cosmos pode existir sem uma inteligência prévia?

São, ou não, as obras clássicas basilares da nossa civilização? O Messias de Händel, o Requiem de Mozart, a Paixão Segundo São Mateus de Bach, a Pietá de Michelangelo e a Deposição de Cristo de Raffaello. Como é que nos podemos desligar dessa herança espiritual, cultural e artística? Está ou não o cristianismo no âmago da nossa sociedade que, entretanto, se tornou anti-confessional?

E o Jazz, o Blues, o Samba e o Rock? Alguma vez teriam existido sem que tivesse havido a escravatura? E como é que foi possível criar algo tão maravilhoso em cima de tanto sofrimento?

O mundo nunca esteve resolvido. Sempre avançou como quem estica uma perna só para não cair. E isso é o que se faz para caminhar. Sempre andamos à procura de um equilíbrio que nos fez avançar, convictos de que o mais difícil é mesmo ficar imóveis. Por isso avançamos.

Olhar para trás é importante. Conhecendo a história, aprendemos artimanhas que nos poderão evitar mais trambolhões. Mas o mais importante é não nos deixarmos iludir pelos revolucionários, que por um impulso de autoritarismo ou apenas pela busca de uns momentos de glória, não hesitarão em lançar o caos.

 

[1] Ouvir este argumento nos dias de hoje, em que tanto radicalismo assenta exclusivamente na impossibilidade de aceitar os que pensam de maneira diferente, é especialmente interessante.



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Segunda-feira, 12 de Janeiro de 2015
Auto de fé contra os valores ocidentais

Esta semana em Paris dois grunhos entraram na redacção de um jornal e assassinaram 10 jornalistas e 2 policias. Estavam combinados com um terceiro grunho que invadiu um supermercado e fez reféns os seus clientes, tendo vindo a assassinar quatro deles. Mais uma vez o radicalismo islâmico tenta espalhar o terror no mundo ocidental.

Importa dizer que o Charlie Hebdo era um jornal dirigido a um reduzido nicho de mercado e o ateísmo era um seus pilares. Não fosse terem sido alvo há uns anos de um ataque com uma bomba incendiária, seriam uns desconhecidos à escala global. Para a maioria do público francês era apenas um jornal desprezível e provocador. O seus editores, herdeiros do espírito de Maio de 68, desprezavam a sociedade mas ainda assim mereciam protecção especial da república, o que não deixa de ser caricato.

A questão que se coloca é se este tipo de publicação, ou outra, deve ser sujeita a limitações para prevenir problemas futuros, seja lá que isso for. Por isso o debate que levanta é sobre a essência da liberdade de expressão.

Exibindo cartazes dizendo 'Je suis Charlie' o mundo mostrou-se solidário nas redes sociais e nas manifestações que reuniram vários milhões de pessoas um pouco por todo o mundo ocidental. Mais que solidariedade a mensagem foi de defesa da liberdade e dos nossos valores.

Vestindo a camisola de pós-modernos super-moderados surgiram algumas vozes que, condenando o terrorismo, lembraram que os conteúdos do Charlie eram abusivos e por isso eles andavam a pôr-se a jeito. Construíram-se muitas frases à volta desta ideia mas o 'andavam a pôr-se a jeito' está lá sempre. E isto não é mais que reduzir o quão hediondo é o radicalismo religioso, seja ele cristão na Idade Média ou muçulmano no sec XXI.

Limitar os conteúdos dos media ao bom gosto é algo que sempre existiu e existe nas ditaduras. E quem é que é o juiz do bom gosto? Quem é que pode usar a caneta azul? Cada um de nós tem critérios diferentes e se para uns faria sentido banir por exemplo a pornografia, para outros todas as publicações religiosas teriam de deixar de existir.

O pensamento do mundo ocidental formou-se ao longo de séculos. Foi a Revolução Francesa que iniciou a queda do Antigo Regime e um dos pensadores dessa época, Voltaire, disse: “Não concordo com o que dizes, mas defenderei até à morte o direito de o dizeres”. Revejo-me nesta abordagem e por isso discordo abertamente com qualquer 'andavam a pôr-se a jeito' na análise do que aconteceu. Acrescento dizendo que depois disto passei a adorar o detestável Charlie Hebdo.

Emmanuel Kant foi outro filosofo que contribuiu para o pensamento ocidental. Distinguiu que o que é legal pode não ser moral e vice-versa. O que é moral varia de pessoa para pessoa, ou de grupo de pessoas para grupo de pessoas, mas a lei é universal. Individualmente podemos considerar o aborto, o casamento gay, a eutanásia, etc, como sendo imorais mas aceitamos viver num país em que isso possa ser legal. E isso não é aceite por estes terroristas nem pelos seus instigadores. Tal como na Idade Média e ainda hoje nas ditaduras e nos regimes autoritários essa diferença não existe. Os líderes medievais assim como os dirigentes dos regimes autoritários eram e são donos da moralidade. Por isso temos de colocar no mesmo saco a Inquisição e os clérigos radicais muçulmanos. Uns organizavam autos de fé e os outros apelam ao assassinato de infiéis. O que aconteceu em França foi um auto de fé, não contra uma mulher a quem chamavam bruxa mas contra uns tipos que faziam uns desenhos provocadores e que até tinham pouca tiragem. Quem quiser inventar justificações para os inquisidores, ou para os carrascos que apenas cumpriram ordens, que o faça mas o que assistimos em Paris foi ataque medieval aos valores ocidentais.



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Sábado, 1 de Janeiro de 2011
Perseguição religiosa que não merece o apoio da esquerda

 

Bernard-Henri Lévy defendeu esta semana, no El Pais, que “os cristãos formam hoje, à escala planetária, a comunidade perseguida de forma mais violenta e na maior impunidade”. Mais: “enquanto o anti-semitismo é considerado um crime e os preconceitos anti-árabes ou anti-ciganos são estigmatizados, a violente fobia anti-cristã que percorre o mundo não parece ter qualquer resposta”.
Curiosas palavras vindas de um não-cristão, interessantes considerações proferidas por quem, em tempos, ajudou a fundar o SOS-Racismo. E singularmente coincidentes com as de Bento XVI que, na sua mensagem a propósito do próximo Dia Mundial da Paz, também notou que “os cristãos são, actualmente, o grupo religioso que padece o maior número de perseguições devido à própria fé”.
São raras as notícias sobre estas perseguições, mas isso não significa que elas não existam – apenas que não lhes é dada a importância que merecem. Parece mesmo existir uma espécie de sentimento de culpa que leva a que, ao mesmo tempo que se destacam os ataques aos crentes de outras religiões, se subvalorizam aqueles de que são vítimas os cristãos – católicos, ortodoxos, evangélicos, baptistas e por aí adiante.
Vejamos alguns exemplos recentes. Na Nigéria o Natal foi marcado por uma série de atentados, de que resultaram 86 mortos, todos reivindicados por uma organização islamista. Em Hanói as autoridades proibiram uma celebração protestante e a polícia carregou sobre os crentes que rezavam na rua. No Azerbaijão foi aprovada legislação que aumenta as multas aplicáveis a todos os grupos que tenham actividade religiosa sem antes se terem registado oficialmente. No Paquistão uma mulher cristã, Asia Bibi, foi condenada à morte por blasfémia. No Irão foram muitos os cristãos que passaram o Natal na cadeia, alguns deles acusados de apostasia (terem trocado a fé muçulmana por outra). Pouco antes do Natal um grupo de cristãos coptas foi morto no Egipto perto da sua igreja. Nas Filipinas uma bomba feriu 11 pessoas durante uma missa no dia de Natal. Na cidade chinesa de Chendgu a polícia invadiu uma igreja na véspera de Natal e levou presos 17 crentes, incluindo uma mulher grávida. Na Índia ocorreram ataques contra comunidades cristãs conduzidos por fundamentalistas hindus. E, no Iraque, onde a intensidade do ataque às comunidades cristãs tem levado a um êxodo em massa, várias cerimónias natalícias foram canceladas após terem sido recebidas ameaças de grupos ligados à Al Qaeda.
Bernard-Henry Levy acrescenta a estes muitos outros exemplos, incluindo a prisão de uma jovem internauta na Palestina de Mahmud Abbas, a tentativa de assassinato do arcebispo de Kartum, Gabriel Zubeir Wako, a perseguição aos cristãos evangélicos da Eritreia, ou a morte a tiro do padre Christian Bakulene na República Democrática do Congo. O terrível destino da comunidade de monges franceses que vivia num mosteiro católico na Argélia e foi assassinada por um grupo de fundamentalistas islâmicos, e que Xavier Beauvois nos conta no belíssimo filme “Dos Homens e dos Deuses” (ainda em exibição), está longe de ser um exemplo isolado de violência sectária.

Não faltará quem, como alerta o filósofo francês, esteja pronto a fechar os olhos perante estes crimes lembrando o antigo estatuto de religião dominante do Cristianismo. É um disparate imenso sob todos os pontos de vista. Primeiro, porque todas as vidas humanas têm o mesmo valor, e nada nos permite diminuir a integralidade de qualquer ser humano, seja ele hindu, muçulmano, ateu ou cristão. Depois, porque se é verdade que os cristãos, como tantos outros, promoveram “guerras santas”, não se pode ignorar que a emergência dos valores modernos da liberdade, da igualdade e da dignidade humana medrou em sociedades cristãs, nelas tendo ganho corpo e foros de cidadania muito antes de tal ocorrer noutras civilizações. É bom recordar, por exemplo, que na primeira república democrática moderna, os Estados Unidos, a liberdade religiosa antecedeu a liberdade política e, como justamente notou Tocqueville, a forte presença da religião na sociedade não impediu a criação de um Estado forte e separado das igrejas.
Bento XVI, que dedica precisamente a sua mensagem de 1 de Janeiro de 2011 à liberdade religiosa, nota que esta se radica “na própria dignidade da pessoa humana” e está “na origem da liberdade moral”, pois se estabelece que “cada homem e cada grupo social estão moralmente obrigados, no exercício dos próprios direitos, a ter em conta os direitos alheios e os seus próprios deveres para com os outros e o bem comum”, como proclamou o Concílio Vaticano II. Invocando a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Papa defende que excluir a religião da vida pública torna mais difícil “orientar as sociedades para princípios éticos universais” ou “estabelecer ordenamentos nacionais e internacionais nos quais os direitos e as liberdades fundamentais possam ser plenamente reconhecidos e realizados”.
Na mira do chefe da Igreja Católica está um laicismo radical que se traduz na “hostilidade contra a religião” e numa limitação ao “papel público dos crentes na vida civil e política”. É neste quadro que Bento XVI não se limita a desejar que terminem as perseguições sectárias aos cristãos na Ásia, em África ou no Médio Oriente, mas também faz votos para que “cessem no Ocidente, especialmente na Europa, a hostilidade e os preconceitos contra os cristãos pelo facto de estes pretenderem orientar a própria vida de modo coerente” com os seus valores.
Em causa não está a laicidade das instituições ou o direito de crítica, que no Ocidente é exercida com veemência sem que suscite apelos à censura por parte das igrejas cristãs (ao contrário do que sucede com os muçulmanos). Em causa está, isso sim, saber se é legítimo despedir uma enfermeira em Inglaterra porque esta insistiu em usar um crucifixo. Ou se, também em Inglaterra, é legítimo levantar um processo contra um psicólogo que distribuiu aos seus colegas de serviço um desdobrável sobre os efeitos negativos do aborto com base no argumento de que isso é “perturbador”.
Entretanto chegam-nos de Espanha outro tipo de notícias perturbantes. Em Lérida um imã radical criou uma milícia privada que anda pelas ruas a perseguir os muçulmanos que têm comportamentos não ortodoxos (na forma de vestir, por exemplo), perante a indiferença das autoridades. Enquanto isso, na província de Cádiz, um jovem muçulmano fez queixa na polícia do seu professor de geografia por este ter falado, nas aulas, das condições em que fabricava presunto (o ministério público espanhol teve, neste caso, o bom senso de arquivar a queixa).
O contraste entre estas situações faz-nos regressar à ideia de que tendemos a olhar para a violência anti-cristã com critérios mais condescendentes ou mesmo com um espírito compreensivo. É como se entendêssemos que todos os cristãos devem carregar um novo “fardo do homem branco”, sendo obrigados a penar, pelos cinco continentes, os pecados da colonização e, por isso, sendo sempre culpados de todos os males mesmo quando estão inocentes…

 

*Público, 31 Dezembro 2010

 

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O Futuro e os seus inimigos

 

de Daniel Innerarity

 

Um livro que aposta numa política do optimismo e da esperança numa ocasião em que diminui a confiança no futuro. Boa parte dos nossos mal-estares e da nossa pouca racionalidade colectiva provém de que as sociedades democráticas não mantêm boas relações com o futuro. Em primeiro lugar, porque todo o sistema político, e a cultura em geral, estão virados apenas para o presente imediato e porque o nosso relacionamento com o futuro colectivo não é de esperança e projecto mas de precaução e improvisação. Este livro procura contribuir para uma nova teoria do tempo social na perspectiva das relações que a sociedade mantém com o seu futuro: de como este é antevisto, decidido e configurado. Para que a acção não seja reacção insignificante e o projecto se não converta em idealismo utópico, é necessária uma política que faça do futuro a sua tarefa fundamental

 


Teorema

 


 

 




 

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O mais completo livro sobre cachimbos, da autoria do jornalista José Manuel Lopes, presidente do Cachimbo Clube de Portugal. Profusamente ilustrada, esta obra a que poderíamos chamar enciclopédica, dá-nos ainda em anexo uma completíssima lista de clubes e associações do mundo inteiro e dos seus sites.


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