Não ser de esquerda
Eu tenho um enorme problema: não sou de esquerda. Estes 40 anos não me converteram e continuo a ser uma herege de direita. Continuo a sofrer de uma espécie de masoquismo idealista que me mantém na barricada da direita e que faz com que eu não passe no crivo moralista da crítica nacional. Sempre me senti à margem do crivo moralista da crítica nacional e isso magoa, ofende mesmo. É que apesar de ser de direita sou sensível. Juro que sou. Tenho imensa inveja dos capitães de Abril, de Freitas do Amaral, de Mário Soares, de Ricardo Araújo Pereira e de todos os representantes genuínos dos ideais de Abril, que são certamente melhores pessoas do que eu. São de esquerda e ser de esquerda é estar do lado certo da força.
Se eu fosse de esquerda a minha vida seria muito mais simples. Ser de esquerda é ser boa pessoa e eu gostava que toda a gente me considerasse boa pessoa - ninguém duvidaria das minhas boas intenções mesmo que eu tivesse como sol o regime da Coreia do Norte. Mas quis o destino que eu gostasse mais dos mercados do que de Hugo Chávez e isso trama--me a vida. Não tenho credibilidade em matéria de bondades. É injusto.
Mas o pior nem é isso, o pior é que além de ser de direita também sou católica. Ora um católico praticante de direita 40 anos depois do 25 de Abril não é mais do que um beato fascista. Um retrógrado. Como se não não bastasse ser de direita, ainda tinha de inventar ser católica. É mau de mais. Se eu fosse de esquerda e católica, a minha circunstância seria muito mais agradável e já ninguém me chamava beata fascista. Seria com muita pinta apelidada de católica progressista, o que é muito mais chique e moderno. E eu gostava de ser chique e moderna, apesar de católica e de gostar dos mercados.
Sendo de direita, não tenho perdão: até podia ser a favor do casamento dos padres, da ordenação das mulheres, da distribuição de preservativos nas igrejas, mas como sou de direita, lá está, ninguém iria acreditar nas minhas boas intenções. Sou beata e pronto.
A coisa agrava-se ainda mais pelo facto de eu ter muitos filhos. Ter seis filhos, ser de direita e ainda por cima ser católica, é uma desgraça completa. É quase estupidez. É pedir chuva. É como gostar de ser gozado no recreio por causa da franja e teimar em manter a franja. Ainda por cima tenho o supremo azar de os meus filhos serem loiros (só tenho um moreno). Ora loiros, neste contexto, quer dizer betos. Tudo mau. Se eu fosse de esquerda ninguém olhava para os meus filhos como meia dúzia de betinhos mimados. Agora, esta coisa de ter uma família do tipo "Música no Coração" dá cabo da minha reputação. 40 anos depois do 25 de Abril e sem nenhum capitão de Abril na família (apenas um católico progressista), a minha reputação é, fatalmente, miserável.
Ora, 40 anos depois do 25 de Abril, ter muitos filhos, ser de direita e ser católica só pode querer dizer uma coisa: sou um caso perdido dos ideais de Abril. Ninguém que sofra desta tríade nociva pode ser tolerante, democrata ou defensor da liberdade. Mas eu sou. Juro que sou.
Se eu fosse de esquerda, de qualquer esquerda de Freitas a Louçã, não vivia neste sufoco moral (com jeitinho até podia ser monárquica). Também não passava a minha pobre existência de direita a explicar que tenho muitos filhos apesar de não ser rica, que sou católica apesar de não ser beata (até gosto muito dos Jesuítas...), que sou de direita mas não sou fascista. Fosse eu de esquerda e o povo de Abril seria tolerante com a minha condição, já podia ter dez filhos loirinhos, podia ser capitalista e até católica (tipo Guterres).
Passaram 40 anos do 25 de Abril e eu não sou de esquerda. No entanto, ainda tenho esperança de vir a ser de esquerda - Freitas e muitos outros demonstraram que a conversão é possível em qualquer idade - porque sei que seria mais livre. É que se eu me afirmasse de esquerda já podia ser livremente a pessoa de direita que de facto sou. Pois, apesar de já terem passado 40 anos do 25 de Abril, a nossa esquerda só tolera a esquerda.
Inês Teotónio Pereira, Jornal i
Mercado da dívida visto pela esquerda
Taxa de juro da dívida a 10 anos no mercado secundário.
João Miranda, Blasfémias
Hoje os três maiores bancos privados portugueses apresentaram as suas contas relativas ao ano de 2011.
Como não acontecia no nosso país desde que o negócio financeiro foi aberto aos privados em 1984, os resultados apresentados foram negativos. Esses resultados devem-se, não ao negócio bancário em si, mas sobretudo a aplicações em divida soberana, nomeadamente grega.
Ao longo do dia enquanto estes resultados iam sendo divulgados lembrei-me várias vezes dos partidos da esquerda radical que desde que me lembro espumam de raiva de cada vez que eram apresentados os lucros da banca, que chegaram a apelidar de imorais.
O país e a Europa vivem uma crise grave, a banca atravessa dificuldades, o cenário é sombrio, mas, estou certo, haverá quem celebre.
Há quase quatro anos que o liberalismo foi julgado, culpado e anunciado em extinção, apesar da crise ter sido causada em boa parte pelo socialismo europeu e seus congéneres americanos que, com a ajuda dos bancos, despejaram dinheiro sobre o povo como se não houvesse amanhã. Hoje, os mesmos arautos anunciam, alto e bom som o fim do capitalismo, um thinking da canga revolucionária pseudointelectual dominante.
Eles não aprendem. O fim do capitalismo é um pouco como o fim do mundo: estão condenados a acabar ao mesmo tempo. Porque o capitalismo é intrinsecamente humano, inseparável da liberdade, condição essencial da sobrevivência da espécie. Acontece que o homem, e por inerência o capitalismo são senhores duma extraordinária resiliência: adaptam-se para sobreviver. O mundo não acaba amanhã: por muito que nos custe, temos é muito que padecer e batalhar. É a nossa condição.
João Távora, Corta-fitas
A falência do Lehman Brothers em 2008 acordou o mundo para a crise financeira que hoje vivemos e ainda viveremos nos próximos tempos. Desde então o discurso da esquerda em geral e dos que não apreciam os EUA, onde se incluem os regimes autoritários, organizações terroristas, etc, insistem em explicar a origem da referida crise à luz da sua ideologia ou do seu ódio. Todos concordam em afirmar que o capitalismo e o neo-liberalismo (ainda não entendi a insistência no prefixo neo) foram os causadores da actual situação. Face às nefastas consequências da crise, a esquerda exige de imediato que seja reforçado o peso do Estado na economia para assim se evitar que se repita tamanha desgraça.
A solução apresentada, de reforçar a presença do Estado na economia e na sociedade, é um erro que se baseia num diagnóstico errado do que se passou.
A inovação está sempre associada a criatividade, à evolução tecnológica e à criação artística. É a inovação que faz crescer a economia, que agita os cérebros dos investigadores e dos cientistas, que cria riqueza e a distribui. Sem inovação não teríamos electricidade, medicamentos, motores de combustão, internet, … e sem isso ainda estaríamos na Idade Média.
A inovação resulta assim de uma atitude que ronda o limiar do que nunca foi feito. Foi exactamente essa atitude que levou à criação dos chamados activos tóxicos. Os seus efeitos chegaram onde chegaram porque os órgãos de supervisão das economias, ou seja o Estado, falhou no seu controlo.
Observemos as ervas que na natureza ocupam os espaços abandonados. É da natureza existirem sempre sementes a serem empurradas pelo vento à procura de condições para germinar. Muitas perdem-se na busca de condições para germinar, mas outras conseguem ficar depositadas onde há temperatura e humidade favorável. Até no meio das pedras da calçada, aparece erva. As ideias inovadoras são como as sementes empurradas pelo vento, algumas criam riqueza e outras não. Nesta comparação os órgãos de supervisão funcionam, ou deveriam ter funcionado, como os jardineiros que têm por função eliminar as ervas que nascem nos locais errados. Falharam na sua tarefa e o outrora exuberante jardim entrou em desequilíbrio. É correcto dizer que foram as ervas que nasceram onde não deviam? Elas que apenas obedeceram à sua ordem natural de germinar? Ou foi o jardineiro, o órgão regulador do jardim, que não cumpriu o seu papel?
Perante este falhanço do Estado, quer agora a esquerda aumentar o número de jardineiros, um por semente talvez. Assim poderão cumprir a sua essência que é limitar a liberdade dos demais.
Bernard-Henri Lévy defendeu esta semana, no El Pais, que “os cristãos formam hoje, à escala planetária, a comunidade perseguida de forma mais violenta e na maior impunidade”. Mais: “enquanto o anti-semitismo é considerado um crime e os preconceitos anti-árabes ou anti-ciganos são estigmatizados, a violente fobia anti-cristã que percorre o mundo não parece ter qualquer resposta”.
Curiosas palavras vindas de um não-cristão, interessantes considerações proferidas por quem, em tempos, ajudou a fundar o SOS-Racismo. E singularmente coincidentes com as de Bento XVI que, na sua mensagem a propósito do próximo Dia Mundial da Paz, também notou que “os cristãos são, actualmente, o grupo religioso que padece o maior número de perseguições devido à própria fé”.
São raras as notícias sobre estas perseguições, mas isso não significa que elas não existam – apenas que não lhes é dada a importância que merecem. Parece mesmo existir uma espécie de sentimento de culpa que leva a que, ao mesmo tempo que se destacam os ataques aos crentes de outras religiões, se subvalorizam aqueles de que são vítimas os cristãos – católicos, ortodoxos, evangélicos, baptistas e por aí adiante.
Vejamos alguns exemplos recentes. Na Nigéria o Natal foi marcado por uma série de atentados, de que resultaram 86 mortos, todos reivindicados por uma organização islamista. Em Hanói as autoridades proibiram uma celebração protestante e a polícia carregou sobre os crentes que rezavam na rua. No Azerbaijão foi aprovada legislação que aumenta as multas aplicáveis a todos os grupos que tenham actividade religiosa sem antes se terem registado oficialmente. No Paquistão uma mulher cristã, Asia Bibi, foi condenada à morte por blasfémia. No Irão foram muitos os cristãos que passaram o Natal na cadeia, alguns deles acusados de apostasia (terem trocado a fé muçulmana por outra). Pouco antes do Natal um grupo de cristãos coptas foi morto no Egipto perto da sua igreja. Nas Filipinas uma bomba feriu 11 pessoas durante uma missa no dia de Natal. Na cidade chinesa de Chendgu a polícia invadiu uma igreja na véspera de Natal e levou presos 17 crentes, incluindo uma mulher grávida. Na Índia ocorreram ataques contra comunidades cristãs conduzidos por fundamentalistas hindus. E, no Iraque, onde a intensidade do ataque às comunidades cristãs tem levado a um êxodo em massa, várias cerimónias natalícias foram canceladas após terem sido recebidas ameaças de grupos ligados à Al Qaeda.
Bernard-Henry Levy acrescenta a estes muitos outros exemplos, incluindo a prisão de uma jovem internauta na Palestina de Mahmud Abbas, a tentativa de assassinato do arcebispo de Kartum, Gabriel Zubeir Wako, a perseguição aos cristãos evangélicos da Eritreia, ou a morte a tiro do padre Christian Bakulene na República Democrática do Congo. O terrível destino da comunidade de monges franceses que vivia num mosteiro católico na Argélia e foi assassinada por um grupo de fundamentalistas islâmicos, e que Xavier Beauvois nos conta no belíssimo filme “Dos Homens e dos Deuses” (ainda em exibição), está longe de ser um exemplo isolado de violência sectária.
Não faltará quem, como alerta o filósofo francês, esteja pronto a fechar os olhos perante estes crimes lembrando o antigo estatuto de religião dominante do Cristianismo. É um disparate imenso sob todos os pontos de vista. Primeiro, porque todas as vidas humanas têm o mesmo valor, e nada nos permite diminuir a integralidade de qualquer ser humano, seja ele hindu, muçulmano, ateu ou cristão. Depois, porque se é verdade que os cristãos, como tantos outros, promoveram “guerras santas”, não se pode ignorar que a emergência dos valores modernos da liberdade, da igualdade e da dignidade humana medrou em sociedades cristãs, nelas tendo ganho corpo e foros de cidadania muito antes de tal ocorrer noutras civilizações. É bom recordar, por exemplo, que na primeira república democrática moderna, os Estados Unidos, a liberdade religiosa antecedeu a liberdade política e, como justamente notou Tocqueville, a forte presença da religião na sociedade não impediu a criação de um Estado forte e separado das igrejas.
Bento XVI, que dedica precisamente a sua mensagem de 1 de Janeiro de 2011 à liberdade religiosa, nota que esta se radica “na própria dignidade da pessoa humana” e está “na origem da liberdade moral”, pois se estabelece que “cada homem e cada grupo social estão moralmente obrigados, no exercício dos próprios direitos, a ter em conta os direitos alheios e os seus próprios deveres para com os outros e o bem comum”, como proclamou o Concílio Vaticano II. Invocando a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Papa defende que excluir a religião da vida pública torna mais difícil “orientar as sociedades para princípios éticos universais” ou “estabelecer ordenamentos nacionais e internacionais nos quais os direitos e as liberdades fundamentais possam ser plenamente reconhecidos e realizados”.
Na mira do chefe da Igreja Católica está um laicismo radical que se traduz na “hostilidade contra a religião” e numa limitação ao “papel público dos crentes na vida civil e política”. É neste quadro que Bento XVI não se limita a desejar que terminem as perseguições sectárias aos cristãos na Ásia, em África ou no Médio Oriente, mas também faz votos para que “cessem no Ocidente, especialmente na Europa, a hostilidade e os preconceitos contra os cristãos pelo facto de estes pretenderem orientar a própria vida de modo coerente” com os seus valores.
Em causa não está a laicidade das instituições ou o direito de crítica, que no Ocidente é exercida com veemência sem que suscite apelos à censura por parte das igrejas cristãs (ao contrário do que sucede com os muçulmanos). Em causa está, isso sim, saber se é legítimo despedir uma enfermeira em Inglaterra porque esta insistiu em usar um crucifixo. Ou se, também em Inglaterra, é legítimo levantar um processo contra um psicólogo que distribuiu aos seus colegas de serviço um desdobrável sobre os efeitos negativos do aborto com base no argumento de que isso é “perturbador”.
Entretanto chegam-nos de Espanha outro tipo de notícias perturbantes. Em Lérida um imã radical criou uma milícia privada que anda pelas ruas a perseguir os muçulmanos que têm comportamentos não ortodoxos (na forma de vestir, por exemplo), perante a indiferença das autoridades. Enquanto isso, na província de Cádiz, um jovem muçulmano fez queixa na polícia do seu professor de geografia por este ter falado, nas aulas, das condições em que fabricava presunto (o ministério público espanhol teve, neste caso, o bom senso de arquivar a queixa).
O contraste entre estas situações faz-nos regressar à ideia de que tendemos a olhar para a violência anti-cristã com critérios mais condescendentes ou mesmo com um espírito compreensivo. É como se entendêssemos que todos os cristãos devem carregar um novo “fardo do homem branco”, sendo obrigados a penar, pelos cinco continentes, os pecados da colonização e, por isso, sendo sempre culpados de todos os males mesmo quando estão inocentes…
*Público, 31 Dezembro 2010
Leitura diária
Debaixo de olho
O Futuro e os seus inimigos
de Daniel Innerarity
Um livro que aposta numa política do optimismo e da esperança numa ocasião em que diminui a confiança no futuro. Boa parte dos nossos mal-estares e da nossa pouca racionalidade colectiva provém de que as sociedades democráticas não mantêm boas relações com o futuro. Em primeiro lugar, porque todo o sistema político, e a cultura em geral, estão virados apenas para o presente imediato e porque o nosso relacionamento com o futuro colectivo não é de esperança e projecto mas de precaução e improvisação. Este livro procura contribuir para uma nova teoria do tempo social na perspectiva das relações que a sociedade mantém com o seu futuro: de como este é antevisto, decidido e configurado. Para que a acção não seja reacção insignificante e o projecto se não converta em idealismo utópico, é necessária uma política que faça do futuro a sua tarefa fundamental
Teorema
Cachimbos: Marcas, Fabricantes e Artesãos
de José Manuel Lopes
O mais completo livro sobre cachimbos, da autoria do jornalista José Manuel Lopes, presidente do Cachimbo Clube de Portugal. Profusamente ilustrada, esta obra a que poderíamos chamar enciclopédica, dá-nos ainda em anexo uma completíssima lista de clubes e associações do mundo inteiro e dos seus sites.
Quimera