A entrada do estado na esfera privada é uma tendência ainda em crescimento mas um dia terá de ser travada.
A invasão começou ainda sem esse propósito e era então justificada pela vontade de limitar as assimetrías sociais que existiam em proporções diferentes de país para país. O aumento dos impostos foi vestido com um fatinho domingueiro de forma a acrescentar ao estado a responsabilidade de tratar dos pobres e desvalidos. Quem é que de boa consciência humanista poderia questionar tal propósito? Até um certo ponto tudo funcionou dentro do benevolente espiríto inicial, mas ano após ano as garantias dadas a todos e a cada um foram sendo alargadas, pois era preciso alimentar a satisfação pública à frequência das eleições. Pouco a pouco chegou-se a pontos em que os encargos (e regulamentos) a quem cria riqueza, e por isso alimenta financeiramente o sistema, eram tais que deixou de compensar correr riscos e passou a ser mais racional mudar da coluna dos que contribuem para a dos que recebem. Alguns passaram a ser exclusivamente contribuintes e outros exclusivamente benificiários. Ao longo dos anos esta última tem aumentado significativamente. No nosso país os benificários de transferências directas do estado ultrapassa os 60% da população.
À minha volta isso demorou a ser notório, ou então fui eu que demorei a reparar. Sabiamos que no interior do país, num mundo social e economicamente deprimido, era o estado que ia mantendo a permanência de pessoas. Sabiamos que no interior havia menos empresas e negócios e por isso o peso do estado era superior ao das zonas mais dinamicas. Câmaras e Juntas eram ali os principais empregadores. À volta do Juncal, aqui perto da costa, graças às cerâmicas e às fábricas de moldes era tudo diferente.
Ano após ano a relação de dependência ao estado foi-se aprofundando. Os políticos para sobreviver precisam de se mostrar agradáveis e os cidadãos reagem positivamente a estímulos positivos. Esta simbiose manteve-se mesmo quando o ponto de equílibrio foi ultrapassado, e no caso português já foi ultrapassado tantas quantas vezes falimos nos últimos 40 anos.
Tudo isto já era para mim um facto, mas no passado dia 10 voltei a aperceber-me da dimensão da coisa. E é nesse dia que são pagas as pensões e é também nesse dia que nas pequenas povoações a economia local acelera com a nova injeção de liquidês. No dia 10 os balcões bancários estão apinhados de gente desde a abertura até ao final do expediente. O quadro de pessoal não pode tolerar folgas nesse dia e mesmo assim as filas chegam permanentemente à porta. Neste dia, por mim batizado pelo dia da metadona, não se pode ir ao banco por outros motivos que não seja ir levantar a reforma. Parecem os drogados a tremer e transpirar na fila à espera da dita substância.
Esta pincelada de realidade mostra como será difícil interromper este ciclo que alterna as falências do estado com os períodos de austeridade. Numa democracia onde a maioria decide, 60% dos eleitores escolherá sempre o benefício imediato em vez de um futuro diferente para as gerações futuras e isso impede as mudanças. De que forma se poderá interromper esta trajectória? Será mesmo este o nosso fado?
Há várias justificações para a moda Outono-Inverno de ir atrás dos ricos. Há quem diga que o que os ricos ganham é imoral em si mesmo. Há quem diga que o que é imoral é a diferença entre o que o ricos ganham e o que o resto da população ganha. Há ainda quem diga que o que é imoral é não cobrarmos impostos como os outros países. Nessa linha de raciocínio, também eu gostava de opinar sobre a imoralidade do que os outros ganham e se possível convencer alguém a usar o Estado para lhes tirar dinheiro. Em nome da justiça social claro.
Em 2009, um estudo do Banco de Portugal analisou a diferença entre os salários na função pública e os salários no sector privado. O estudo chegou a várias conclusões interessantes:
Ou seja, os funcionários públicos, especialmente os que têm poucas qualificações e/ou estão em início de carreira, ganham mais e trabalham menos tempo.
Além destas diferenças, os funcionários públicos têm ainda acesso a benefícios generosos relação ao sector privado (ex: ADSE). E, como se isto não bastasse, até ver, não podem ser despedidos, logo, são poupados à “redução de poder de compra” de pelo menos 35% a que outros 675.000 portugueses que estão no desemprego não escaparam. Isto para não falarmos do facto de, não podendo ser despedidos, além de não se preocuparem com a perda instantânea de 35% do salário, também não precisam de se preocupar com o desaparecimento inevitável dos tais prémios salariais quando tivessem de arranjar um emprego no sector privado. Um pacote interessante, diria eu.
Para tornarmos a coisa mais interessante, podemos tentar estimar quanto valem esses benefícios e essa protecção. Tanto quanto o Google me informou, não há grandes estudos feitos sobre a matéria mas recentemente o Andrew Biggs andou a olhar para a coisa nos Estados Unidos e estimou que o efeito combinado dos prémios salariais (14%), do valor dos benefícios adicionais (63%) e do valor da segurança no emprego (17%) representariam um prémio global de 61% relativamente ao sector privado. Isto nos Estados Unidos, o país da OCDE com o mais baixo índice de protecção no emprego.
Porque é que isto é importante?
Isto é importante porque estas diferenças representam o valor que os funcionários públicos e os seus sindicatos conseguem extrair ao Orçamento de Estado apenas pelo facto de se sentarem à mesa, em sede de concertação social.Um sítio onde ninguém tem grandes incentivos para não torrar o dinheiro dos contribuintes. Os políticos, que apesar de tudo ainda têm de se sujeitar a eleições, quanto muito têm incentivos para disfarçar que o estão a fazer.
Ou seja, estes números representam a diferença entre as condições laborais minimamente concorrenciais que a maior parte de nós enfrenta no mercado laboral aberto, e as condições que os funcionários públicos enfrentam por estarem protegidos constitucionalmente dessa mesma concorrência.
Isto é importante porque estas diferenças ilustram bem que, ao contrário que muita gente pensa, pagar impostos não é ser solidário. Pagar impostos é assegurar que o nosso dinheiro é redistribuído de acordo com critérios políticos, critérios políticos esses que, pelos vistos, implicam uma transferência injustificada e desproporcional desse dinheiro para o bolso de 650.000 funcionários públicos, apenas por estes serem funcionários públicos. Pagar impostos é assegurar que essa transferência injustificada e desproporcional é feita de forma coerciva. Há quem diga que isto é moralmente equivalente a prestar uma ajuda voluntária a quem realmente precisa. Eu tenderia a dizer que isto é moralmente equivalente a um assalto à mão armada.
Isto é importante porque estes números permitem fazer umas contas simples e polvilhar o ajustamento orçamental que se avizinha com uma verdadeira “ética social”. Já que aparentemente é inconstitucional despedir funcionários públicos mas não é inconstitucional obrigar os portugueses a pagar os impostos que forem precisos para pagar os salários desses mesmos funcionários públicos, temos de recorrer a outros expedientes para simular os efeitos da concorrência laboral a que as pessoas que vivem no mundo real têm de se sujeitar.
O que eu sugiro é que o Governo anuncie que daqui a 6 meses todos os funcionários públicos verão os seus salários cortados, não em 38% como nas contas do Andrew Biggs, mas nuns modestos 13% (o equivalente apenas ao prémio salarial do estudo do Banco de Portugal). Até essa data, quem quisesse ir embora, poderia ir embora, com tempo suficiente para arranjar um emprego melhor. Se o Governo não quiser “desnatar” ainda mais a função pública pode anunciar que o corte será inversamente proporcional. Os funcionários com poucas qualificações, com mais concorrência no mercado laboral e com prémios salariais comparativamente superiores, teriam direito a um corte superior a 13%. Os funcionários mais qualificados, com menos concorrência no mercado laboral e com prémios salariais comparativamente inferiores, teriam direito a um corte inferior a 13%.
Quanto é que um corte de 13% nas despesas com pessoal representa? Representa aproximadamente 1,43% do PIB, cerca de 2.300 milhões de euros ou quase 3 vezes o que o Estado prevê arrecadar este ano com o imposto extraordinário.
Que tal? Liberté, égalité, fraternité, não é?
Tomás Belchior, O Insurgente
Falar de “Estado social” faz tanto sentido como falar de uma Inquisição tolerante ou de uma Máfia honesta.
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Quando o Estado se intromete permanentemente na esfera privada, pondo e dispondo da vida dos cidadãos como de incapazes se tratassem, ninguém liga a mais um atentado à liberdade.
Segundo o Público de hoje "Crianças obesas com risco para a saúde podem ser separadas de pais que não os ajudem a perder peso".
Não quero com este texto felicitar os pais que não ajudem os seus filhos a perder peso, mas sim apenas perguntar o que se deve fazer quando o mesmo acontece nas Misericórdias e outras instituições em que o Estado toma conta de crianças.
O que fazer quando alguém que toma conta de crianças, que as deve educar e ajudar se tornarem cidadãos capazes de acrescentar valor à sociedade, não cumpre o seu papel? A mensagem que sobra desta medida aponta para o Estado como solução.
Não quero para aqui trazer o caso Casa Pia, um triste exemplo do que o Estado deixa que aconteça, mas pergunto-me se, na mesma medida não seria lógico retirar crianças das escolas quando estas não cumpram na sua missão de ensinar.
Leitura diária
Debaixo de olho
O Futuro e os seus inimigos
de Daniel Innerarity
Um livro que aposta numa política do optimismo e da esperança numa ocasião em que diminui a confiança no futuro. Boa parte dos nossos mal-estares e da nossa pouca racionalidade colectiva provém de que as sociedades democráticas não mantêm boas relações com o futuro. Em primeiro lugar, porque todo o sistema político, e a cultura em geral, estão virados apenas para o presente imediato e porque o nosso relacionamento com o futuro colectivo não é de esperança e projecto mas de precaução e improvisação. Este livro procura contribuir para uma nova teoria do tempo social na perspectiva das relações que a sociedade mantém com o seu futuro: de como este é antevisto, decidido e configurado. Para que a acção não seja reacção insignificante e o projecto se não converta em idealismo utópico, é necessária uma política que faça do futuro a sua tarefa fundamental
Teorema
Cachimbos: Marcas, Fabricantes e Artesãos
de José Manuel Lopes
O mais completo livro sobre cachimbos, da autoria do jornalista José Manuel Lopes, presidente do Cachimbo Clube de Portugal. Profusamente ilustrada, esta obra a que poderíamos chamar enciclopédica, dá-nos ainda em anexo uma completíssima lista de clubes e associações do mundo inteiro e dos seus sites.
Quimera