A prática grega e a receita do PS
Há de facto coisas estranhas na mentalidade de alguns portugueses e na política nacional.
Desde que Portugal ficou sujeito ao acordo com a troika assinado pelo anterior governo de Sócrates, o Governo de Passos Coelho tem assumido cumprir as regras, não fazer renegociações, nem pedir mais tempo ou mais dinheiro. Tem sido isto que, apesar das dificuldades por que Portugal tem atravessado, nos tem distinguido da Grécia e garantido alguma credibilidade do País nos meios internacionais que alimenta ainda alguma esperança em ultrapassarmos a crise.
Olhando para a Grécia, desde que esta ficou sujeita ao primeiro acordo, aquele País tem sido caracterizado por não cumprir as suas exigências, renegociar os termos em que o mesmo foi feito, pedir mais dinheiro e até mais tempo. Por acaso os gregos têm beneficiado algo com esta estratégia, não se tem verificado que as consequências de incumprimento e a incapacidade de o levar em frente têm sido sempre desfavoráveis ao povo daquele País?
Então por que elementos do PS e Seguro insistem em não cumprir algumas das exigências do acordo com a troika, com o argumento de suavizar a aplicação do programa ou em pedir mais tempo e até alguns mais dinheiro?
Qual a vantagem de seguir um modelo alternativo de gestão da crise que nos seus termos mais se assemelha ao comportamento Grego cujos resultados são bem piores que a estratégia seguida por Passos Coelho?
Carlos Faria, Forte Apache
"Saudades do fássismo
Comecei* por fazer umas coisas num escritório: usava óculos, lia muito, parecia esperto, precisava de trabalhar - a cunha funcionou. O patrão, um sacana paternalista que pagava mal, achava-me graça e deixou-me fazer uns estudos - cheguei a guarda-livros.
A contabilidade era uma coisa simples, a estabilidade legislativa muita, os fiscais uns ferrabrases que se compravam, em caso de necessidade, por um preço módico, os impostos moderados - a vida de guarda-livros era, para quem tivesse alma de manga-de-alpaca, uma boa vida, se a empresa fosse sólida - e era.
Depois veio a Revolução, que acolhi com alegria: estava farto dos bonzos engravatados e barrigudos do regime, da atmosfera opressiva, do palavreado gasto e oco do Estado Novo, dos jornais chatos, da corrupçãozinha modesta e institucionalizada, dos livros, pela maior parte merdeiros, que se liam às escondidas porque eram do contra e estavam proibidos, do medo de falar alto e bom som no café, da falta dos filmes e revistas com gajas nuas... - ide pentear monos pró Brasil, seu bando de fássistas.
Depois, a malta que andava até ali pelo exílio, as prisões e a clandestinidade, tomou conta do proscénio - e foi o que se viu.
Esse tempo passou. E ficou assente, e continua, que cada qual diz o que quer quando quer - este Vosso criado usa essa liberdade com liberalidade, tranquilo na certeza de que, quem não gostar - põe na beirinha do prato.
Pois sim. Mas sucede que os operários, naquele tempo, tinham emprego e uma motorizada, fumavam e bebiam; e a classe média começou nos anos sessenta a ter o seu carrito, a sua televisão, o seu frigorífico, o seu módico de assistência - o País crescia como nunca havia crescido antes nem voltou a crescer depois.
Também não se ignora o que veio a seguir: a motorizada foi substituída pelo carro novo, o utilitário pela gama média, a televisão pelo plasma, ou lá o que é, a quarta-classe pelo 19º ano, o 19º ano pelo curso superior e este pelo mestrado - os licenciados já não se limitam a dizer asneiras, fazem-no com mestria. E eu fui promovido a técnico de contas, por via semântica.
Uma parte deste progresso foi tecnológica - é tudo mais eficiente e mais barato; e outra foi do crédito, com o qual sucessivos governos compraram votos.
Estamos na fase de pagar - se conseguirmos - o calote.
Mas os filhos dos antigos operários não têm emprego, e por isso emigram. E esta emigração não é a mesma do antigamente, porque dantes se despovoavam as aldeias de cavadores miseráveis; e agora se despovoam as cidades de jovens com formação que, ainda que atamancada, está a anos-luz da dos Pais.
Em paralelo, sub-repticiamente, o Estado Novo, morto de morte matada, e o breve fogacho comunista, incorporado no regime como protestatário de serviço, foram sendo substituídos pelo Estado igualitário politicamente correcto. E o antigo operário, e já agora os filhos, e já agora os outros, já não fuma, porque o nanny state lhe tornou, via preço, o tabaco inacessível; não vai ao tasco porque a ASAE lhe transformou o estabelecimento numa loja sueca com consultor para saber de que cor devem ser exactamente os cabos das facas; não usa a motorizada porque tem o automóvel, que aliás não usa porque não tem dinheiro para pagar o combustível e as portagens; vive no terror de perder o emprego, porque, se o perder, perde também a casa, que lhe afiançaram ser dele; e pertence finalmente à classe média, porque esta desceu ao nível dele.
Têm todos, operários e colarinhos brancos, agora irmanados, conta no banco e ligação à internet. As contas servem para os bancos os induzirem a comprar a crédito o lixo de que não precisam e para os tornar objecto de todo o tipo de exacções, usuras e abusos. E, em conjunto com a administração electrónica, a via verde, os cartões de crédito, o desaparecimento do secretismo bancário, a legislação contra o enriquecimento ilícito (e, crescentemente, o enriquecimento, ponto) e o reforço demencial dos poderes da Administração Pública, em particular da Fiscal, para que o Estado saiba exactamente quem ganha o quê, como, onde, onde vai, o que consome, e a que horas.
Em troca, dizem-nos para levarmos guarda-chuva se chover, nos agasalharmos se estiver frio, informam-nos da cor do alerta em que está a nossa região e qualquer director-geral com risca ao meio e aspecto ridículo se julga autorizado a verberar-nos os vícios, tal como uma ministra com alma de enfermeira num lar de terceira idade não se acha grotesca a ensinar-nos a lavar as mãos.
Agora até o dinheirinho em papel vai ser ilegalizado: uma empresa gastar sem o Estado saber o quê, nem com quem? Era o que faltava - empresas são quadrilhas de ladrões, salvo prova em contrário.
E se o Estado vai dentro das empresas, que são pessoas colectivas, dizer o que os donos podem e não fazer, por que carga de água não há-de fazer o mesmo com as pessoas singulares? Dêem-lhes tempo - o software precisa de ser rodado.
É por isso que, à força de me tirarem liberdades, uso aquela que ainda está relativamente intocada para dizer que já estive mais longe de ter - o que diz o título.
* Não comecei nada, dá-me jeito dizer assim."
José Meireles Graça, Forte Apache
"Ao contrário de muitos, penso ser cedo para dizermos que o actual rumo político é o errado. O País chegou a esta situação após anos em que acumulou défices orçamentais e externos insustentáveis, devido a políticas expansionistas imprudentes e aumentos salariais acima do crescimento da produtividade. De facto não somos a Grécia, que nunca aplicou as reformas estruturais mais difíceis e cuja liderança política irresponsável continua a tentar "dar a volta" aos europeus que pagam as contas (veja-se o último episódio dos 300 milhões das pensões e os insultos presidenciais a meio de uma negociação sensível). Outro exemplo: o défice da balança de pagamentos continua acima de 10% do PIB, o que é extraordinário, quando o mesmo indicador português caminha depressa para o equilíbrio. A questão do salário mínimo grego é absurda e não admira que os alemães tenham perdido a confiança nos dirigentes de Atenas.
Naquilo que nos diz respeito, e para além de um improvável milagre de Fátima, Portugal só tem duas hipóteses: ou cumpre até ao fim o memorando da troika ou entra em bancarrota. Esta última é muito pior do que o Pacto Orçamental adoptado na UE. As despesas serão iguais às receitas e acabam as expansões dos gastos sociais ou os investimentos em grandes projectos. Fora do euro voltaremos a ser um país pobre e sem peso político. As poupanças serão destruídas e quem tiver dívidas será sufocado pelo aumento das taxas de juro.
A blogosfera devia servir para discutir seriamente estes assuntos. Como se pagam os brilhantes planos de criação de empregos ou de crescimento económico? Mas também devia servir para explicar que o actual rumo não pode ser mantido por muito tempo e que os países que financiam o nosso resgate têm vantagens em facilitar a vida ao devedor.
Um país que não consegue empregar os seus jovens e que despede os trabalhadores mais velhos também não terá perspectivas de crescimento, mesmo com contas públicas equilibradas. Por um lado, não há nova geração de trabalhadores a descontarem para a segurança social, por outro os trabalhadores mais antigos não conseguem chegar à idade da reforma a trabalhar, pelo que terão pensões de miséria. É uma sociedade em vias de ser desmantelada.
O número real de desempregados (somados com os inactivos que querem trabalhar, ou seja, desempregados de longa duração) anda nos 950 mil e isso é uma catástrofe. Visto de outra maneira: no início desta crise, em 2008, havia 5,197 milhões de empregados; agora, há 4,735 milhões. Portugal perdeu 462 mil postos de trabalho em quatro anos. Do quatro trimestre de 2010 para o quatro trimestre de 2011, as perdas foram de 213 mil empregos, quase 600 por dia (583). Ou seja, esta crise não está sobretudo nas medidas de austeridade ou no plano da troika (é cedo para os efeitos), mas em questões mais profundas de falta de competitividade, leis laborais e endividamento das empresas.
No entanto, as discussões destes temas são geralmente de tipo Benfica-Sporting, em que toda a análise é clubística e partidária. Os socialistas sacodem a água do capote, como se não tivessem qualquer responsabilidade no descalabro do país, a esquerda exterior ao acordo da troika parece incapaz de aceitar medidas onde o país não tem alternativa, mas isto é válido também para a direita que detesta o actual PSD e que fica exterior à troika apenas porque odeia o actual poder. As tias de Cascais não gramam Cavaco e também detestam Passos Coelho.
Mas esqueçamos as tias e os seus ódios de estimação à classe média, a mesma que está a pagar esta crise. A alternativa aos actuais sacrifícios é a bancarrota, da qual a Grécia provavelmente já não escapa. Mas muitos intelectuais continuam a pensar que o falhanço do remédio é o problema, que a Alemanha é a culpada, que Hitler de alguma forma está envolvido, que a UE tem mecanismos que podem actuar nesta emergência. A Grécia não chegou a cumprir a sua parte, mas o problema não foi o resgate, foi a situação que exigiu o resgate e as mentiras permanentes, as estatísticas falsas e as promessas inúteis, que os mercados nunca engoliram.
A ideia de que o resgate é o problema não pode triunfar, pois a alternativa é muito pior.
Também devemos combater a ideia de que esta crise europeia se resolve com decisões comunitárias. O chamado "método comunitário" que usa as instituições comuns, nunca funcionou em questões de dinheiro. Aí, só existe o método intergovernamental, ou seja, a negociação ao nível dos poderes nacionais, portanto, potências e directório. No que respeita a verbas, como é o caso das ajudas externas, decide quem assina os cheques e quem tem de responder perante os seus contribuintes, portanto podem fazer os manifestos que quiserem."
Luis Naves, Forte Apache
Leitura diária
Debaixo de olho
O Futuro e os seus inimigos
de Daniel Innerarity
Um livro que aposta numa política do optimismo e da esperança numa ocasião em que diminui a confiança no futuro. Boa parte dos nossos mal-estares e da nossa pouca racionalidade colectiva provém de que as sociedades democráticas não mantêm boas relações com o futuro. Em primeiro lugar, porque todo o sistema político, e a cultura em geral, estão virados apenas para o presente imediato e porque o nosso relacionamento com o futuro colectivo não é de esperança e projecto mas de precaução e improvisação. Este livro procura contribuir para uma nova teoria do tempo social na perspectiva das relações que a sociedade mantém com o seu futuro: de como este é antevisto, decidido e configurado. Para que a acção não seja reacção insignificante e o projecto se não converta em idealismo utópico, é necessária uma política que faça do futuro a sua tarefa fundamental
Teorema
Cachimbos: Marcas, Fabricantes e Artesãos
de José Manuel Lopes
O mais completo livro sobre cachimbos, da autoria do jornalista José Manuel Lopes, presidente do Cachimbo Clube de Portugal. Profusamente ilustrada, esta obra a que poderíamos chamar enciclopédica, dá-nos ainda em anexo uma completíssima lista de clubes e associações do mundo inteiro e dos seus sites.
Quimera