"O modo como o país está a ser governado foi largamente debatido no Parlamento. Mas às vezes, para lá dos discursos, deparamos com factos que, apesar de parecerem insignificantes, falam por si.
Há certos atos que se tornam demasiado rotineiros. Já ninguém liga aos job for the boys, mas eles aí continuam a asfixiar o Estado, a miná-lo como doença.
Vem isto a propósito da nomeação de José Apolinário como diretor-geral das Pescas. Conheci-o há muitos anos, quando foi eleito líder da JS. Nada me move contra ele, mas não me apercebo das suas qualidades para um cargo que jamais teria não fosse o caso de ter sofrido uma derrota nas autárquicas, em Faro. Pode alegar-se que ele já tinha sido secretário de Estado das Pescas, é verdade! Mas este é um cargo político e aquele é um cargo técnico. Apolinário, licenciado em direito, entrou no Parlamento com 23 anos, foi membro do Governo e deputado europeu. Nunca teve uma profissão que não fosse a política. Do acervo das suas intervenções em Plenário, conclui-se que a sua qualificação para as pescas está no facto de ser algarvio e ter, portanto, nascido à beira-mar. É certo que falou sobre o assunto na AR (trabalha bastante, reconheço). Mas falou também sobre hospitais, linguagem gestual e muitos outros assuntos...
Nada me move contra ele e não sou cínico se disser que pode, até, ser um bom diretor-geral. O que me leva a chamá-lo para esta crónica é o facto de ele ter substituído (por decisão do ministro António Serrano) um homem que era diretor-geral das Pescas desde 1998, de nome Eurico Monteiro. Este é licenciado em Direito e um histórico técnico superior da Direção-Geral das Pescas. Aliás o Governo reconhece-lhe competência, pois já o nomeou assessor especializado no gabinete do secretário de Estado das Pescas e pretende que ele vá para a REPER (representação de Portugal junto da Comissão Europeia). Mas, para isso tem de tirar da REPER Rui Ribeiro do Rosário (economista e técnico superior do Ministério da Agricultura com obra publicada) indicado para Bruxelas por Jaime Silva e confirmado por Luís Amado em setembro último, por mais três anos. Luís Amado quis resistir à nomeação de Eurico, que vai chegar à idade da reforma a meio da comissão, mas acabou por fazer a vontade ao atual ministro. Assim, sai Rui Rosário, com direito a indemnização, provavelmente, e entra Eurico.
E aqui está uma história igual a tantas outras. Um político no desemprego tira o lugar a dois destacados técnicos do Estado.
Esta sucessão irracional de nomeações, que há por aí aos centos, foi noticiada por Isabel Arriaga e Cunha, correspondente do "Público" Bruxelas. É muito significativa do estado da nossa nação e do modo como somos governados.
Não necessita mais palavras..."
Texto publicado na edição do Expresso de 17 de julho de 2010
O caso que Henrique Monteiro aqui relata é um, entre muitos outros, que têm acontecido durante a governação PS, mas que sabemos também ter sido muito frequente nos governos PSD.
Os boys fazem parte do regime.
Sendo o prémio de consolação daqueles que colaboram com o respectivo partido mas não convencem o eleitorado, a colocação de filiados, muitas vezes sem qualquer experiência na área em que são colocados, é algo que ajuda a corroer a já muito degradada imagem dos políticos.
Li algures que em Itália, um país em que a classe política tem uma imagem especialmente negativa, as instituições funcionam (Tribunais, Universidades, Hospitais, Administração territorial, …) com uma razoabilidade surpreendente, e isso deve-se ao facto de muitos dos lugares de topo na administração pública serem ocupados por funcionários que permanecem no seu cargo mesmo quando mudam os governos. Assim consegue-se que exista um fio condutor ao longo do tempo e não se assiste à destruição de todos os projectos que estejam em marcha, sempre que um novo governo entra em funções.
Será que as alterações à Constituição prevêem algo para evitar isto?
Estou em crer que quando o próximo governo entre em funções (e que previsivelmente será PSD), tudo fique na mesma.
Passos Coelho pode ter boas intenções, mas existe muita gente no seu partido a fazer contas de cabeça, a fazer mudanças no seu dia-a-dia e a colocar-se em bicos dos pés mostrando-se disponíveis para o que calhar. E não aceitarão ficar de fora.
A existência dos boys depende exactamente dos deputados. Todos sabemos que aquando nas listas, basta um pouco de azar para que se fique de fora. Por isso nada como fazer um 'seguro contra sinistros' na vida política. A existência de boys, é por isso uma espécie com a continuidade garantida.
Leitura diária
Debaixo de olho
O Futuro e os seus inimigos
de Daniel Innerarity
Um livro que aposta numa política do optimismo e da esperança numa ocasião em que diminui a confiança no futuro. Boa parte dos nossos mal-estares e da nossa pouca racionalidade colectiva provém de que as sociedades democráticas não mantêm boas relações com o futuro. Em primeiro lugar, porque todo o sistema político, e a cultura em geral, estão virados apenas para o presente imediato e porque o nosso relacionamento com o futuro colectivo não é de esperança e projecto mas de precaução e improvisação. Este livro procura contribuir para uma nova teoria do tempo social na perspectiva das relações que a sociedade mantém com o seu futuro: de como este é antevisto, decidido e configurado. Para que a acção não seja reacção insignificante e o projecto se não converta em idealismo utópico, é necessária uma política que faça do futuro a sua tarefa fundamental
Teorema
Cachimbos: Marcas, Fabricantes e Artesãos
de José Manuel Lopes
O mais completo livro sobre cachimbos, da autoria do jornalista José Manuel Lopes, presidente do Cachimbo Clube de Portugal. Profusamente ilustrada, esta obra a que poderíamos chamar enciclopédica, dá-nos ainda em anexo uma completíssima lista de clubes e associações do mundo inteiro e dos seus sites.
Quimera