Síndrome de Estocolmo?
O Partido Socialista – ninguém o esqueça – governou Portugal 13 anos nos últimos 17.
Nesse período aumentou assustadoramente a despesa do Estado, duplicando os gastos do Serviço Nacional de Saúde, criando sindicatos de voto com o Rendimento Mínimo Garantido (uma prestação não contributiva de incentivo à parasitagem social), hipotecou as gerações futuras com dezenas de parcerias público-privadas, muitas delas eufemísticamente vendidas como sem custos para os utilizadores. Só nos últimos 3 anos da famigerada governação Sócrates duplicou a dívida pública, que aumentou em mais de 80 mil milhões de euros, uma dívida astronómica superior ao próprio programa de assistência internacional que, no fim da festa, o anterior Governo teve de assinar para garantir o pagamento de salários, pensões e o próprio funcionamento da máquina do Estado.
Sei bem que antes de Guterres muitos erros foram também cometidos, não raro por quem agora cinicamente alija responsabilidades próprias chorando lágrimas de crocodilo pelo povo que antes enganou e cujo futuro também comprometeu.
Mas a responsabilidade maior, essa é de um PS desavergonhado que confia na memória bovina do vulgo para escapar ao julgamento em que a História seguramente o condenará.
Por mim não tenho ilusões: se comunistas e bloquistas se portam como autênticas hienas, salivando com as dificuldades que muitas famílias enfrentam, este PS está também claramente do lado do quanto pior melhor. O vazio de ideias de Seguro só tem paralelo com a fraqueza que o mesmo exibe perante os insuportáveis sócratinhos que se babam no plenário de S. Bento.
Contarmos com o PS é o mesmo que uma vítima pedir ajuda ao seu agressor.
Esperar do PS, do partido que arruinou Portugal e nos levou à bancarrota, qualquer contributo útil, sério ou exequível, é como a cegonha acreditar nas intenções filantrópicas da raposa.
O que hoje Fernando Ulrich disse sobre os riscos de uma séria degradação das condições sociais, económicas e financeiras do País, e que tantos imbecis se esforçam por ridicularizar ou apenas zurzir, é apenas o aviso do bom senso, do que nos pode acontecer se ouvirmos o facilitismo e ignorarmos a realidade.
E a verdade é que, por muito que custe à gerontocracia do regime e à esquerda em festa, o Mundo não nos deve a existência nem se compadecerá se nos não adaptarmos às nossas possibilidades.
Quanto mais tarde o percebermos, pior, e foi isso que disse Ulrich.
Rui Crull Tabosa
A prática grega e a receita do PS
Há de facto coisas estranhas na mentalidade de alguns portugueses e na política nacional.
Desde que Portugal ficou sujeito ao acordo com a troika assinado pelo anterior governo de Sócrates, o Governo de Passos Coelho tem assumido cumprir as regras, não fazer renegociações, nem pedir mais tempo ou mais dinheiro. Tem sido isto que, apesar das dificuldades por que Portugal tem atravessado, nos tem distinguido da Grécia e garantido alguma credibilidade do País nos meios internacionais que alimenta ainda alguma esperança em ultrapassarmos a crise.
Olhando para a Grécia, desde que esta ficou sujeita ao primeiro acordo, aquele País tem sido caracterizado por não cumprir as suas exigências, renegociar os termos em que o mesmo foi feito, pedir mais dinheiro e até mais tempo. Por acaso os gregos têm beneficiado algo com esta estratégia, não se tem verificado que as consequências de incumprimento e a incapacidade de o levar em frente têm sido sempre desfavoráveis ao povo daquele País?
Então por que elementos do PS e Seguro insistem em não cumprir algumas das exigências do acordo com a troika, com o argumento de suavizar a aplicação do programa ou em pedir mais tempo e até alguns mais dinheiro?
Qual a vantagem de seguir um modelo alternativo de gestão da crise que nos seus termos mais se assemelha ao comportamento Grego cujos resultados são bem piores que a estratégia seguida por Passos Coelho?
Carlos Faria, Forte Apache
Carta a um filho sobre estes dias que correm
Escrevo-te no final de um estranho mês de Outubro. Depois de um Verão triste, tivemos sol e calor. Na praia e o mar estava estranhamente calmo. Teriam sido semanas descontraídas e alegres se não fossemos lendo as notícias. Sabíamos que elas, quando chegassem, seriam más – mas não estávamos à espera de notícias tão más.
Não sou funcionário público e ainda nem falei com o teu avô, que perderá, nos próximos anos, os subsídios de férias e de Natal. Mas sei que os funcionários públicos e os pensionistas estão atordoados. É natural. Não estavam à espera. Ninguém estava à espera. Mesmo eu, que há muito defendia a necessidade de diminuir os gastos com a função pública, não imaginava que fosse assim.
No entanto tenho a percepção da fatalidade. Julgo que muita gente a tem. O dinheiro acabou. O nosso e até o que nos emprestam. Não posso nem quero imaginar que fosse através de mais impostos que se resolvessem as aflições do próximo Orçamento, como parece sugerir o Presidente da República. Não posso nem quero imaginar que o governo deste país continuasse a fazer como os governos do passado, a fingir que cumpria as metas disfarçando as dívidas.
É por isso que não posso deixar de pensar: o que foi que nos trouxe até aqui? O que foi que nos meteu neste poço a que só agora vemos as paredes escuras, negras?
Também te escrevo envergonhado. Porque escrevo para te dizer, por exemplo, que quando tiveres a minha idade, se ainda andares por este país, continuarás a pagar centenas e centenas de quilómetros de auto-estradas que se degradarão antes de chegarem a ter movimento que se veja. Ou para te alertar que bem antes de chegares à idade da reforma o sistema de pensões terá entrado em colapso (dizem-me que ainda haverá dinheiro para os da minha idade, mas não acredito).
Escrevo-te sobretudo para te contar como desperdiçámos a melhor oportunidade de um século de história. Ou mesmo dos últimos dois séculos.
Sei que muitos andam por aí a culpar “os políticos”. Têm razão: houve muita irresponsabilidade política, houve dolo e houve corrupção. Há alguns figurões a que nunca perdoarei, e espero que o país não perdoe. Mas eu não culpo só “os políticos”. Ou só “os banqueiros”, apesar de estes também terem contribuído para a irresponsabilidade do festim. Eu culpo também uma nação que se embebedou com a ilusão da riqueza fácil, do sonho de “ser como os outros europeus” no espaço de uma década.
No outro dia pus-me a olhar para o meu carro. Seria necessário ter um modelo tão bom? Não. Mas tudo estava feito para que o tivesse. Em poucos anos, Portugal encheu-se de automóveis. Na Europa só os italianos têm proporcionalmente mais carros do que os portugueses. O parque automóvel de Lisboa é imensamente mais rico do que o de Copenhaga ou Estocolmo. Mas não só. Somos o povo com mais telemóveis. E o que mais casas próprias comprou. Até casas de segunda habitação.
Muitos da minha geração fizeram tudo para proporcionar aos filhos os bens de consumo a que eles próprios não haviam tido acesso, mas não fizeram o suficiente para que muitos da tua geração saíssem mais cede de casa dos pais. Há quem diga que é assim porque ainda acreditamos nos valores familiares, mas eu desconfio. Afinal com que família sonhamos se, ao mesmo tempo, somos um dos países da Europa onde nascem menos crianças?
Não te vou contar a história de todas as oportunidades falhadas. Ou de todas as políticas criminosas. Ou de todos os roubos, que também os houve. Prefiro tentar, mais humildemente, explicar como te expropriámos o futuro.
Nasceste, como eu nasci, num país de cultura atávica. Num país onde se prefere a protecção do nepotismo ao risco da emancipação. Um país habituado à segurança, mesmo que na pobreza relativa. A revolução não nos mudou, apenas transformou tudo em direitos. Os empregos tinham de ser para a vida, de preferência empregos no Estado. Ninguém pôde tocar nas rendas antigas, pelo que a minha geração teve de ir á procura de casa própria e a tua… nem isso. Os despedimentos são tabu. Houve até quem assumisse “direitos” como a reforma aos 55 ou 56 anos.
Neste país não há profissões: há posições. Quem as ocupa chama-lhes suas, e barra os caminho a todos os competidores. Neste país não há feriados: há “pontes” e fins-de-semana alargados. Neste país detesta-se a avaliação: somos todos “bons” ou “muito bons”. Neste país fala-se muito dos jovens, mas não há oportunidades nem bons olhos para os mais novos.
Enquanto a economia foi crescendo, enquanto o dinheiro (primeiro o dos emigrantes, depois o da Europa) foi chegando, parecia que corria tudo bem. Mas isso tinha de acabar, e acabou. Foi nessa altura que o desemprego dos da tua idade começou a disparar. Antes de disparar todo o desemprego. Ninguém que, nessa época, chamasse a atenção para a insustentabilidade da nossa economia era ouvido. Gozava-se com o Medina Carreira. Diziam que todos os que chamavam a atenção para o risco de nos embebedarmos com os juros baixos eram apenas “velhos do Restelo”. Na nossa vida privada, compravamos mais um plasma. No Estado, contratava-se mais uma PPP para outra auto-estrada.
Quando penso no que nos aconteceu como país, e no que aconteceu ao Estado, lembro-me das campanhas da Cofidis e outras empresas de crédito fácil. Para muitos, esse dinheiro ao virar da esquina e a ilusão de que os ordenados aumentariam todos os anos, levou-os a comprar hoje o que julgavam poder pagar amanhã. Até que começaram a ver o salário penhorado por dívidas e, mesmo sem perderem os empregos, perderam os rendimentos.
O país todo portou-se da mesma forma. Desde 1995 que consumimos, em média, mais dez por cento do que produzimos. Sempre a crédito. Sempre com dívidas maiores. Sempre sem sermos capazes de nos emendarmos a tempo.
O que se passou no Estado – por via de vários governos centrais, dos governos regionais e das autarquias – foi muito pior. Inventaram-se expedientes para continuar a gastar sem pagar. Já deves ter ouvido falar das PPP’s, mas são só uma parte do problema. Há empresas públicas fictícias que, para financiar o Estado, lhe compram os imóveis e, depois, lhos alugam. Outras que fazem as obras para as quais não há (nem havia) dinheiro, como nas escolas. Outras, como as de transportes, que são veículos de endividamento. Se na Madeira se construiu uma marina que nunca teve barcos, em Lisboa há outra marina na Expo que nunca serviu para nada e em Beja um aeroporto vazio. O Alqueva já consumiu milhões e ainda não rega um hectare. E por aí adiante. A lista é infindável e o espantoso é que os autores dos desmandos andam por aí a rir e a atirar setas aos que, agora, tentam concertar a casa em ruínas.
Vivemos de mentiras – votámos mesmo em mentiras apesar de vários alertas – e na ilusão de que o dinheiro chegaria sempre. Não chegou. A factura que estamos a pagar é imensa. A que te vamos deixar, além de imensa, é imoral.
Chegámos a uma altura em que um governo nos veio dizer que temos de empobrecer. Admiro-lhe a frontalidade (gostei muito de ver, por exemplo, a franqueza com que o ministro das Finanças se explicou na televisão). Gosto da lufada de ar fresco que representa esta sinceridade.
A ti isso pouco te importa. O que conta é saber se saímos inteiros do embate deste “martelo-pilão”, como lhe chama o Pacheco Pereira. Acho que sim. Podemos ter um Orçamento que é como “um Houdini algemado dentro de uma camisa-de-forças fechado num aquário de água salgada”, uma imagem do Pedro Guerreiro, mas tal como o Houdini não temos alternativa senão safarmo-nos.
Talvez tenhas ouvido dizer que assim se acrescenta recessão à recessão. É verdade, mas só num primeiro momento. Depois, a única esperança que a minha geração pode devolver à tua é quebrar o ciclo da dívida e permitir que, sem loucuras, os bancos possam voltar a financiar a economia. Prosseguir o caminho que vinha detrás é alimentar a ilusão de que, continuando o Estado a gastar dinheiro, ou a estimular o consumo que nos levou ao endividamento, a economia recupera. Não acredites: afunda-se ainda mais. E passará aos da tua idade um passivo ainda maior.
O dever dos que têm a minha idade, sobretudo dos que, melhor ou pior, viveram os anos do bem-bom e estão razoavelmente instalados, não é declarem-se “indignados” por perderem alguns direitos – é aceitarem que algum ajustamento nos seus hábitos, mesmo um ajustamento doloroso e duro, é necessário para libertar recursos para os que têm realmente razões para se indignarem. Os da tua idade.
A minha geração passou a vida a reivindicar direitos pagos pelo dinheiro de todos. Ainda hoje continuo a ouvir por todo lado gente a pedir que se use o Estado para “apostar” na economia, o que quase sempre significa apostar nas empresas amigas. Possa a tua geração fazer em Portugal o que tantos de vocês fizeram emigrando: correr riscos, inovar, trabalhar com ambição, cerrar os dentes. A muitos da minha geração só se lhes saírem da frente. Mesmo deixando-te as SCUT’s para pagar.
Público, 21 Outubro 2011
Estava para fazer um post sobre a reacção do PSD nacional aos resultados das eleições da Madeira, onde diria que, apesar do que aqui já tinha escrito, o partido do governo se soube distanciar condignamente dos resultados e mostrou ao país como está comprometido com a resolução dos graves problemas financeiros deixados pelos socialistas, mas quando soube disto tive de mudar de assunto.
O asseio que pouco a pouco e silenciosamente invade as nossas vidas deu mais um passo. A UE legislou no sentido de que as crianças com menos de oito anos não possam encher balões de ar. A proibição alarga-se aos assobios usados nas festas conhecidos entre nós como línguas-de-sogra. O motivo prende-se com a alegada perigosidade destes engenhos que fazem parte do universo infantil há muitas gerações. Mais uma vez o legislador regula (mal) ao pressupor a incapacidade dos cidadões em tomarem decisões com base no bom senso, e assim pretende privar os nossos filhos de experiências pelas quais nós passamos e (espanto!!!) sobrevivemos.
Mais uma vez se repete a velha regra, alguém de direita que não goste de balões não brinca com eles. Se for de esquerda, não brinca e proibe todos os demais de o fazer.
Seria surpreendente mas muito positivo que PPC fosse além destas declarações. Se retirasse a confiança política a AJJ, assumiria o risco de perder o apoio parlamentar dos deputados PSD Madeira mas mostraria ao país que finalmente tínhamos um PM em quem se podia confiar. No momento seguinte poderia dirigir-se a Seguro e lamentar o orgulho que este declarou ter na obra deixada por Sócrates.
Os grandes políticos seguem os princípios, correm os riscos das consequências e moralizam a sociedade mostrado que a política pode ser algo nobre.
Velhos políticos em pânico
Os discursos, os rituais, as práticas e algumas das últimas decisões corajosas estão a consolidar o início de uma transformação radical, permitindo descortinar um novo tipo de governação que marca uma inequívoca ruptura com as últimas três décadas.
Lentamente, e ainda que com hesitações e até erros, a actuação do governo tem resultado na credibilização de alguns dos seus ministros mais jovens e politicamente desconhecidos.
Não foi por acaso, certamente, que Mário Soares, com a perspicácia que lhe é reconhecida, disparou sobre o porta-aviões da nova geração: Vítor Gaspar. Do alto da sua arrogância política, sempre desculpada pelo seu papel na fundação da democracia, o ex-Presidente da República chamou "político ocasional" ao ministro das Finanças. De facto, foi o maior elogio que lhe podia fazer, atestando que Vítor Gaspar chegou à política por mérito do seu percurso académico e profissional, e não pela via da ascensão partidária ou da habilidade para transportar maletas.
A referência de Soares diz tudo sobre a incomodidade sentida por alguns velhos políticos quando uma nova geração começa a controlar as rédeas do poder.
O mais extraordinário é que o "animal político" confessou, com sinceridade, que não compreende o discurso de Vítor Gaspar. Porventura, até poderia ter acrescentado o mesmo em relação aos ministros Álvaro Santos Pereira (Economia e Emprego), Paula Teixeira da Cruz (Justiça), Paulo Macedo (Saúde), Pedro Mota Soares (Solidariedade e Segurança Social) e Nuno Crato (Educação e Ciência).
Foi preciso bater no fundo para ser perceptível o enorme fosso que o tempo cavou entre os velhos e os novos governantes.
Quem sempre resolveu as crises com a mão esticada em direcção à ajuda externa não entende que há outros caminhos. Ninguém nega o seu mérito em retirar o país da ditadura e da miséria, mas chegou o momento de dar lugar aos mais jovens, sujeitando-se ao julgamento político do esbanjamento do extraordinário fluxo dos fundos comunitários. Por isso não admira que alguns velhos políticos estejam em pânico, temendo cair do pedestal em que os colocaram.
Pior que o legado de um país falido, só mesmo esta tentativa de começar a enfraquecer gratuitamente um governo que acredita que o país não pode continuar a pagar um modelo de de- senvolvimento sustentado pelo Estado, um Serviço Nacional de Saúde medíocre e despesista, uma justiça ineficaz e minada pelos partidos políticos e um sistema de ensino burocratizado e deficiente, entre outros estrangulamentos.
Sem prejuízo da crítica, é preciso dar uma oportunidade a quem está a demonstrar que está apostado na ruptura com um modelo esgotado, cuja tolerância à corrupção engordou escandalosamente a classe dirigente e empobreceu o país, de negócio de Estado em negócio de Estado, de empresa pública falida em empresa pública falida.
Portugal não está condenado a ser pobre, a perpetuar as desigualdades gritantes e a adiar as reformas estruturais vitais sob a capa de slogans estafados. Nem precisa de uma espécie de tutela permanente dos fundadores da democracia. Apenas necessita que a nova geração de governantes esteja à altura dos tempos, seja capaz de se libertar de amarras ideológicas e da teia de compromissos insondáveis, de forma a honrar os sacrifícios exigidos aos portugueses.
Muita tinta já correu sobre os problemas causados pela introdução do cartão do cidadão nas últimas eleições.
Após as conclusões do inquérito que pouco a pouco se vão tornando públicas e perante a insistente recusa do Ministro Pereira em assumir qualquer responsabilidade, podemos dizer que estamos perante um caso que serve para demonstrar que os actuais governantes não assumem, nem assumirão, as responsabilidades pelo estado em que deixarão o país após quinze, ou dezasseis anos de governação. Quem se surpreender que se levante, que eu fico sentado.
Mas para além disso serve, ou devia servir, para avaliar as consequências de afastar dos lugares de decisão da administração pública os quadros de topo que permanecem mesmo quando os governos mudam, ao invés de os preencher com boys, formalmente definidos como 'cargos de confiança política'.
Em Itália, um país que transmite consistentemente sinais de que tem uma classe política de medíocre gabarito, consegue que os serviços prestados pelo estado não dependam directamente de tais senhores, pois os respectivos funcionários evoluem dentro dos serviços, chegam ao topo da carreira com responsabilidades e lá se mantêm mesmo quando mudam os governos. Pode ver-se isso, no ensino, na saúde, na administração pública, na justiça, etc.
Nesse cenário e perante um caso como o que agora debatemos, poder-se-iam exigir responsabilidades formais, cíveis até, sobre quem não cumpriu o seu papel, ao invés de apenas exigir uma demissão política sem consequências além da mudança da fauna em questão.
Mais do que pedir a cabeça do ministro, gostava de ouvir o PSD a manifestar-se sobre este assunto.
Alguns notáveis insistem na formação de um Bloco Central como coligação para governar o país. O Governo, ou melhor Sócrates, depois de o ter negado agora entendeu que era uma boa forma para voltar a colocar pressão sobre Passos Coelho.
Uma dúvida: depois do desnorte que temos assistido relativamente à construção do TGV, que segundo o acordo com o PSD ficaria na gaveta para logo depois voltar a ser uma prioridade, há condições de confiança para um qualquer acordo que seja?
Já várias vezes disse que Pedro Passos Coelho não me entusiasma, mas assumo que gostaria bastante de estar enganado.
Ao contrário do que muitos dos esclarecidos analistas que têm avaliado como desastrosa a estratégia de negociar a abstenção ao OE com o governo (não estamos a falar de um voto favorável), parece que PPC está a conseguir levar a água ao seu moinho. Pelo caminho soube lidar com a retirada de apoio dos chamados notáveis do partido, e até de Angelo Correia, o seu mentor político, mostrando assim alguma teimosia e até coragem política.
Os mesmos analistas também já tinham criticado PPC pelo momento escolhido para o lançamento da revisão constitucional, que lhe terá custado alguns pontos nas sondagens.
Segundo a sondagem da Universidade Católica divulgada esta semana, o PSD descolou do empate recente e subiu para os 40% das intenções de voto, enquanto o PS desceu para 26%, valor que já não verificava desde o final dos anos 80.
Olhando para imagem acima o que imediatamente pensei foi que com a arrogância que o PS (Partido Sócrates) nos tem habituado, o espaço a cinzento entre as bancadas laranja e rosa terá de ser ocupado por stewards.
Perante estes dados, que surgem exactamente na sequência da dita negociação do OE, os mesmos sempre infalíveis analistas dirão que tudo resulta de um acaso e da incompetência do Governo, até porque em democracia a oposição nunca conquista o poder mas é quem está no poder que se deixa derrotar.
Mas enquanto eles ridicularizam a estratégia do PSD, PPC além de ter lançado a revisão constitucional, afirmou há dias que "há direitos adquiridos que o deixam de ser quando o Estado não os puder resolver". Apesar de óbvia esta declaração merece um destaque que os media não lhe reconheceram. Ao violar a fronteira do politicamente correcto em matérias que nenhum político ousou beliscar nas últimas décadas, PPC assumiu que tem de se mexer nos direitos dos intocáveis, e a revisão constitucional está em curso. Dessa forma ganha legitimidade para o fazer caso venha a ser eleito, o que a cada dia que passa se torna mais inevitável.
Independentemente da sua capacidade levar a cabo as mudanças necessárias para que o país volte a devolver a economia à iniciativa privada e assim volte a criar a riqueza para conseguir pagar as dívidas criadas pela bebedeira socialista que vivemos nos últimos 15 anos, o que o eleitorado não duvida é que o canário canta bem (opinião com a qual nunca concordei) mas está a dar cabo da gaiola e por isso tem de se escolher outro pássaro para o seu lugar. Saiu-nos muito caro e demorou muitos anos mas espero que esta semana tenha marcado o ponto de viragem.
Quem duvidar, veja esta avaliação do desempenho do Governo, com 80% dos inquiridos classificam como Mau e Muito Mau.
Há varias semanas que o principal assunto da vida política nacional é o Orçamento de Estado 2011. Deixou de haver vida (política) para além do défice, e isso colocou todo o país à beira de um ataque de nervos.
Para uns a culpa é da crise e da ganância dos neo-liberais de Wall Street e até dizem que o mundo mudou nos últimos quinze dias, estranho não bocejarem durante a frase pois antes disso, e apesar dos avisos, deviam estar a dormir. Outros dizem que a situação exige responsabilidade e talvez por isso sabem que não podem contar com o BE nem com o PCP. Outros ainda deveriam lembrar que há pouco mais de um ano, durante a campanha eleitoral, avisaram que tudo isto iria acontecer e que estão na oposição porque os portugueses preferiram acreditar na poesia socialista. Em vez disso deixaram-se encurralar pelo PM e os seus chacais, chegando a uma situação em que aparentemente têm de escolher entre o suicídio político e a falta à palavra dada.
Será mesmo que o chumbo do OE por parte do PSD seria um suicídio político, nomeadamente do seu líder PPC? O que pensariam os portugueses se PPC se assumisse como um escravo da sua palavra e chumbasse o OE, simplesmente porque o disse quando deixou passar o PEC II. Seria interessante ver a reacção dos portugueses, habituados a políticos mentirosos e bem sucedidos, perante alguém que simplesmente assume o que diz.
Valerá a pena perder a palavra para manter um equilíbrio falso e podre? O que ganharemos com isso? A lógica imediatista do xadrez político dirá que ao PSD interessa adiar as próximas legislativa, porque é previsível que quanto mais tarde mais escândalos o PS transportará consigo. Mas no cenário do OE passar, o que fará o PSD caso o Governo peça de seguida uma moção de confiança?
Segundo o Semanário Sol, o chumbo do OE poderia levar três bancos 'ao fundo'. Ao ler isto pensei que se um deles não será o financiou esse mesmo jornal. Esta frase é também um bom exemplo do sucesso dos spin doctors de Sócrates, pois faz sentido que as consequências que todos temem possam ocorrer sim na sequência da demissão do Governo, que se fosse responsável (já nem digo que não nos colocaria na actual situação) teria de negociar o actual OE, e em vez de se demitir deveria apresentar um segundo orçamento.
PPC além destas questões, e de outras que não serão conhecidas do grande público, tem também de conseguir convencer os deputados do PSD a votar contra, e importa lembrar que os deputados do PSD foram escolhidos pela anterior Direcção que sabemos ser partidária da abstenção. Caso seja essa a indicação de voto do partido, quantos a seguirão ou quantos estarão presentes durante a votação? Este é também um problema que decorre das guerras internas do PSD.
Ouvi há dias, e não podia estar mais de acordo, que os próximos dias ficaremos a conhecer a verdadeira essência política dos actuais intervenientes da política nacional.
Aguardemos então com a serenidade característica de um povo com consegue ser sereno, mesmo quando está a ser espancado.
"O modo como o país está a ser governado foi largamente debatido no Parlamento. Mas às vezes, para lá dos discursos, deparamos com factos que, apesar de parecerem insignificantes, falam por si.
Há certos atos que se tornam demasiado rotineiros. Já ninguém liga aos job for the boys, mas eles aí continuam a asfixiar o Estado, a miná-lo como doença.
Vem isto a propósito da nomeação de José Apolinário como diretor-geral das Pescas. Conheci-o há muitos anos, quando foi eleito líder da JS. Nada me move contra ele, mas não me apercebo das suas qualidades para um cargo que jamais teria não fosse o caso de ter sofrido uma derrota nas autárquicas, em Faro. Pode alegar-se que ele já tinha sido secretário de Estado das Pescas, é verdade! Mas este é um cargo político e aquele é um cargo técnico. Apolinário, licenciado em direito, entrou no Parlamento com 23 anos, foi membro do Governo e deputado europeu. Nunca teve uma profissão que não fosse a política. Do acervo das suas intervenções em Plenário, conclui-se que a sua qualificação para as pescas está no facto de ser algarvio e ter, portanto, nascido à beira-mar. É certo que falou sobre o assunto na AR (trabalha bastante, reconheço). Mas falou também sobre hospitais, linguagem gestual e muitos outros assuntos...
Nada me move contra ele e não sou cínico se disser que pode, até, ser um bom diretor-geral. O que me leva a chamá-lo para esta crónica é o facto de ele ter substituído (por decisão do ministro António Serrano) um homem que era diretor-geral das Pescas desde 1998, de nome Eurico Monteiro. Este é licenciado em Direito e um histórico técnico superior da Direção-Geral das Pescas. Aliás o Governo reconhece-lhe competência, pois já o nomeou assessor especializado no gabinete do secretário de Estado das Pescas e pretende que ele vá para a REPER (representação de Portugal junto da Comissão Europeia). Mas, para isso tem de tirar da REPER Rui Ribeiro do Rosário (economista e técnico superior do Ministério da Agricultura com obra publicada) indicado para Bruxelas por Jaime Silva e confirmado por Luís Amado em setembro último, por mais três anos. Luís Amado quis resistir à nomeação de Eurico, que vai chegar à idade da reforma a meio da comissão, mas acabou por fazer a vontade ao atual ministro. Assim, sai Rui Rosário, com direito a indemnização, provavelmente, e entra Eurico.
E aqui está uma história igual a tantas outras. Um político no desemprego tira o lugar a dois destacados técnicos do Estado.
Esta sucessão irracional de nomeações, que há por aí aos centos, foi noticiada por Isabel Arriaga e Cunha, correspondente do "Público" Bruxelas. É muito significativa do estado da nossa nação e do modo como somos governados.
Não necessita mais palavras..."
Texto publicado na edição do Expresso de 17 de julho de 2010
O caso que Henrique Monteiro aqui relata é um, entre muitos outros, que têm acontecido durante a governação PS, mas que sabemos também ter sido muito frequente nos governos PSD.
Os boys fazem parte do regime.
Sendo o prémio de consolação daqueles que colaboram com o respectivo partido mas não convencem o eleitorado, a colocação de filiados, muitas vezes sem qualquer experiência na área em que são colocados, é algo que ajuda a corroer a já muito degradada imagem dos políticos.
Li algures que em Itália, um país em que a classe política tem uma imagem especialmente negativa, as instituições funcionam (Tribunais, Universidades, Hospitais, Administração territorial, …) com uma razoabilidade surpreendente, e isso deve-se ao facto de muitos dos lugares de topo na administração pública serem ocupados por funcionários que permanecem no seu cargo mesmo quando mudam os governos. Assim consegue-se que exista um fio condutor ao longo do tempo e não se assiste à destruição de todos os projectos que estejam em marcha, sempre que um novo governo entra em funções.
Será que as alterações à Constituição prevêem algo para evitar isto?
Estou em crer que quando o próximo governo entre em funções (e que previsivelmente será PSD), tudo fique na mesma.
Passos Coelho pode ter boas intenções, mas existe muita gente no seu partido a fazer contas de cabeça, a fazer mudanças no seu dia-a-dia e a colocar-se em bicos dos pés mostrando-se disponíveis para o que calhar. E não aceitarão ficar de fora.
A existência dos boys depende exactamente dos deputados. Todos sabemos que aquando nas listas, basta um pouco de azar para que se fique de fora. Por isso nada como fazer um 'seguro contra sinistros' na vida política. A existência de boys, é por isso uma espécie com a continuidade garantida.
Santos Silva avisou há dias: PSD tem uma agenda neo-liberal de desmantelamento do Estado Social.
Sabemos que Santos Silva gosta de malhar na direita e, por isso, Pedro Passos Coelho mesmo em silêncio seria um alvo apetecível.
O 'malhador de serviço' descansa-nos dizendo que o PS, pelo contrário, tem uma agenda da esquerda democrática que pretende, ele sim, desenvolver e sustentar o estado providência.
José Sócrates alarga o âmbito das criticas à direita e introduz a palavra 'ideologia' nas diferenças o PS e o PSD, o que não deixa de ser uma inovação arrojada, até porque, se olharmos com atenção, é exactamente o PS que está a promover cortes nas remunerações e nos benefícios sociais (i.e. subsídios de desemprego e alargamento da idade da reforma). Estas medidas que o governo justifica serem tomadas de forma a garantir a sustentabilidade do Estado Social, se fossem tomadas por um governo PSD, seriam claramente neo-liberais. É nesta falta de simetria retórica, e no limite de seriedade, que reside o que resta da governação de Sócrates.
Engraçado é lembrar Mario Soares há dois meses a elogiar o sentido de estado de Pedro Passos Coelho.
Leitura diária
Debaixo de olho
O Futuro e os seus inimigos
de Daniel Innerarity
Um livro que aposta numa política do optimismo e da esperança numa ocasião em que diminui a confiança no futuro. Boa parte dos nossos mal-estares e da nossa pouca racionalidade colectiva provém de que as sociedades democráticas não mantêm boas relações com o futuro. Em primeiro lugar, porque todo o sistema político, e a cultura em geral, estão virados apenas para o presente imediato e porque o nosso relacionamento com o futuro colectivo não é de esperança e projecto mas de precaução e improvisação. Este livro procura contribuir para uma nova teoria do tempo social na perspectiva das relações que a sociedade mantém com o seu futuro: de como este é antevisto, decidido e configurado. Para que a acção não seja reacção insignificante e o projecto se não converta em idealismo utópico, é necessária uma política que faça do futuro a sua tarefa fundamental
Teorema
Cachimbos: Marcas, Fabricantes e Artesãos
de José Manuel Lopes
O mais completo livro sobre cachimbos, da autoria do jornalista José Manuel Lopes, presidente do Cachimbo Clube de Portugal. Profusamente ilustrada, esta obra a que poderíamos chamar enciclopédica, dá-nos ainda em anexo uma completíssima lista de clubes e associações do mundo inteiro e dos seus sites.
Quimera